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Marcio Antonio Campos

Marcio Antonio Campos

Vaticano, CNBB e Igreja Católica em geral. Coluna atualizada às terças-feiras

Crônica

O que fostes ver na Praça de São Pedro?

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Multidão na Praça de São Pedro acompanha a primeira mensagem do papa Leão XIV, no dia em que ele foi eleito. (Foto: Angelo Carconi/EFE/EPA)

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(Ao longo da semana passada, enviei a leitores que se cadastraram no site da Gazeta do Povo a newsletter gratuita Diário do Conclave. Nela, contei alguns bastidores da nossa cobertura, e também fiz algumas reflexões, baseadas em minha vivência de católico que estava acompanhando a eleição do novo papa. Hoje, compartilho com os leitores da coluna a newsletter que enviei na noite do dia 8, quando Leão XIV foi eleito.)

* * *

“Que fostes ver no deserto? Um caniço agitado pelo vento? Que fostes ver, então? Um homem vestido com roupas luxuosas? Mas os que estão revestidos de tais roupas vivem nos palácios dos reis. Então, por que fostes para lá? Para ver um profeta? Sim, digo-vos eu, mais que um profeta. É dele que está escrito: Eis que eu envio meu mensageiro diante de ti para te preparar o caminho. Em verdade vos digo: entre os filhos das mulheres, não surgiu outro maior que João Batista. No entanto, o menor no Reino dos Céus é maior do que ele.” (Mateus 8, 7-11)

O que pais e mães com crianças pequenas foram ver na tarde desta quinta-feira, na Praça de São Pedro? E as freirinhas idosas que corriam como se tivessem 20 anos? E os engravatados que saíam de seus trabalhos? E os turistas de bermuda e camiseta que podiam estar em qualquer outro lugar de Roma? Por que todos eles acorreram ao centro do catolicismo mundial ao saber que havia uma chaminé soltando fumaça branca e sinos badalando na maior igreja da cristandade?

Leão XIV nem tinha aparecido na sacada da Basílica de São Pedro, mas já começava a ser querido por gente que até minutos atrás mal sabia da existência de um cardeal norte-americano chamado Robert Francis Prevost

Nenhum deles sabia quem iria encontrar. Seria italiano, africano, asiático? Mais novo ou mais velho? “De direita” ou “de esquerda”? Ninguém sabia; sabia apenas que alguém havia sido escolhido. Quando o cardeal protodiácono disse as palavras “Eminentissimum ac Reverendissimum Dominum, Dominum Robertum Franciscum, Sanctæ Romanæ Ecclesiæ Cardinale Prevost”, a praça não explodiu de alegria; à minha volta, ninguém nem sequer sabia de quem se tratava. Quando expliquei, um jovem casal de italianos ainda disse “mas... um americano?” Mas, segundos depois, já se podia ouvir um coro tímido de “Leone! Leone! Leone!”

Eis o que o papado representa para os católicos: Leão XIV nem tinha aparecido na sacada da Basílica de São Pedro, mas já começava a ser querido por gente que até minutos atrás mal sabia da existência de um cardeal norte-americano chamado Robert Francis Prevost. Fomos à Praça de São Pedro para encontrar nosso novo pai, lembrando o que havia dito o Francisco Escorsim quando estivemos no Última Análise falando do papa Francisco e do conclave que se aproximava. Então, ele apareceu. Disse que o mal não prevalecerá, que Deus ama a todos, puxou uma Ave Maria, concedeu-nos uma indulgência plenária. Terminada a bênção, ainda permaneceu por mais alguns momentos na sacada, contemplando e saudando seus novos filhos, aquelas dezenas de milhares que representavam quase um bilhão e meio.

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E os que não creem, mas mesmo assim fizeram questão de aparecer na Praça de São Pedro, o que foram ver? Uma mera curiosidade? Uma relíquia de um passado felizmente deixado para trás? Mas algo tão irrelevante ou desprezível assim mereceria que alguém passasse tempo sob o sol inclemente de Roma, esperando em pé por mais de uma hora? Duvido muito. Eis aí a força do sucessor de Pedro, do chefe de uma instituição que muitas vezes é a única a recordar ao mundo uma série de verdades e a beleza das virtudes, e a propor um caminho de felicidade tantas vezes substituído por alegrias meramente passageiras.

Pertinho de mim, um casal de paranaenses enxugava as lágrimas depois das palavras e da bênção do novo papa. Eles não viram apenas um pedacinho de história sendo feita; eles tiveram uma experiência de fé irrepetível, assim como eu tive a minha, de uma forma que até duas semanas atrás me era inimaginável. Às vezes eu lamentava, depois da morte de Francisco, por não ter “vivido” a perda do papa como achava que devia viver, por estar tão envolvido no trabalho. Pois agora – para desespero do Lucas, praticamente abandonado em meio à transmissão ao vivo – eu vivi. Prestei atenção a cada palavra e saboreei cada momento. Ontem [quarta-feira, dia do início do conclave], na Basílica de São Pedro, eu rezava para que Deus desse um bom papa à sua Igreja. Agora, eu rezo para que Deus me ajude a ser um bom filho para este novo pai.

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