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Lex orandi, lex credendi – a maneira como a Igreja crê é diretamente ligada à maneira como a Igreja reza. Outro dia, comentei aqui sobre um estudo que encontrou correlação entre práticas como adoração eucarística e fé mais intensa na Presença Real de Cristo na hóstia consagrada. Nas últimas décadas, a liturgia se tornou assunto fundamental a opor visões distintas de Igreja. Em 2007, o papa Bento XVI publicou Summorum pontificum, com uma liberação geral da missa tridentina, que já não dependia de autorização do bispo, como ocorria desde 1988. Quatorze anos depois, Francisco deu um cavalo de pau com Traditionis custodes, limitando até mesmo o poder dos bispos na autorização de missas tridentinas em suas dioceses, a ponto de um arcebispo australiano ter precisado pedir ao Vaticano para celebrar ele mesmo uma missa tridentina na catedral – e o pedido ter sido negado.
O que levou Francisco a isso? “Quando o papa Bento XVI publicou Summorum pontificum, ele tinha uma ótima intenção, mas também temos de reconhecer que ele acabou passando por cima do poder dos bispos. E os grupos mais radicais, esses que não chegam a se separar formalmente de Roma, mas atacam a missa nova e o Concílio Vaticano II, abusaram disso”, explica dom Fernando Rifan, da Administração Apostólica São João Maria Vianney, sediada em Campos (RJ) e que tem autorização do Vaticano para celebrar apenas o rito tridentino. Em resumo, os rebeldes – que são muitos, especialmente nos Estados Unidos e na França, diz o bispo – estragaram tudo para uma multidão de outros fiéis que simplesmente preferiam a missa tridentina como expressão mais adequada de sua fé católica.
“Os grupos mais radicais, que atacam a missa nova e o Concílio Vaticano II, abusaram da permissão dada por Bento XVI.”
Dom Fernando Rifan, bispo da Administração Apostólica São João Maria Vianney
Dom Fernando teve a oportunidade de se encontrar com Francisco, e ouviu do papa que ele não era contra a missa tridentina em si, mas que era contra sua instrumentalização para questionar a legitimidade do missal novo, promulgado em 1969 por São Paulo VI, e do Concílio Vaticano II. “O próprio papa me disse que a missa tridentina era uma riqueza da Igreja”, afirma ele, acrescentando que também se encontrou com o cardeal Victor Fernández, ex-prefeito do Dicastério para a Doutrina da Fé, que lhe relatou ter estabelecido uma paróquia pessoal para a celebração da missa tridentina quando era arcebispo de La Plata.
Restaurar a “paz litúrgica” será uma das missões do próximo papa. Dos 22 cardeais papabili perfilados pela Gazeta do Povo, apenas três são considerados favoráveis às restrições impostas por Francisco; sete são contrários; cinco deram declarações ambíguas; e outros sete têm opinião desconhecida. Dom Fernando – que “exporta” padres para 11 dioceses brasileiras, que têm missas tridentinas celebradas por sacerdotes da Administração Apostólica a pedido ou com permissão do bispo local – acredita que um novo “choque” poderia causar mais confusão. “Talvez melhor que fazer logo de imediato uma liberação total, como fez Bento XVI, seria ir afrouxando aos poucos as restrições e analisando os resultados, conversando com os bispos onde havia mais problemas”, afirma o bispo. “Mas o próximo papa também terá de ser muito firme com os grupos que atacam a missa nova e o Vaticano II, porque a solução não está na revolta. No século 16, vimos as duas escolhas diferentes diante da crise na Igreja: Lutero saiu, enquanto Inácio de Loyola ficou e construiu uma das maiores ordens religiosas da história”, completa dom Fernando, que na entrevista à Gazeta do Povo ainda manifestou sua simpatia pelos cardeais Parolin, Erdő e Pizzaballa.
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