Ouça este conteúdo
Os desdobramentos do apagão que deixou a Península Ibérica às escuras em 28 de abril parece ter sido a proverbial gota d’água para se tornarem públicas o que, até então, eram discretas advertências de órgãos e profissionais especializados sobre as impropriedades da chamada transição energética baseada em fontes intermitentes e instáveis, caso das eólicas e solares.
Em fevereiro último, o inspetor-geral de segurança nuclear da poderosa estatal francesa EDF, Jean Casabianca, emitiu um relatório identificando os riscos ocasionados pela massiva expansão de centrais eólicas e solares na rede elétrica do país.
De acordo com ele, a integração de tais fontes voláteis às redes de transmissão não só ameaça a segurança das redes, mas os fundamentos econômicos da geração nuclear. Em particular, as frequentes mudanças de carga nas redes colocam tensões técnicas e financeiras crescentes sobre as centrais nucleares.
“A prioridade dada às energias renováveis leva a flutuações na geração de eletricidade, cujas consequências estão longe de ser inofensivas para a segurança, mas também para a manutenção, vida útil e os custos operacionais”, diz o relatório, citado pelo excelente sítio alemão Blackout News (09/05/2025).
A EDF tem atualmente 57 reatores nucleares em operação, que geram entre 67-70% da eletricidade consumida na França, uma das maiores proporções do mundo.
Em dezembro de 2024, antigos executivos do setor energético divulgaram uma declaração pública com fortes críticas às fontes eólicas e solares, qualificando como “ilusória” a visão de setores governamentais de que elas são complementares à energia nuclear.
Em janeiro deste ano, 80 membros da Assembleia Nacional pediram uma moratória à expansão da energia intermitente na França, ocasionando uma forte reação do lobby do setor.
Em março, um relatório do Operador do Sistema de Energia Nacional (NESO) do Reino Unido, advertiu para um risco crescente de apagões no país, observando que a redução da geração “síncrona”, como a proveniente de usinas termelétricas a gás e nucleares, em favor das fontes eólicas e solares, “reduz a estabilidade da rede”, informou o jornal The Telegraph de 10 de maio.
“Isso pode resultar em eventos de grande impacto sistêmico, tais como severos desvios de frequência e falhas dos esquemas de proteção da transmissão em detectar e isolar os problemas, aumentando o risco de danos nos equipamentos e de apagões... A crescente penetração de ativos assíncronos, tais como solares fotovoltaicos, fazendas eólicas e sistemas de armazenamento de energia com baterias, introduz uma gama de desafios à resistência do sistema”, ressalta o documento.
Grosso modo, nos equipamentos síncronos, como os geradores das termelétricas, hidrelétricas e nucleares, a frequência da corrente elétrica gerada é sincronizada com a frequência de rotação dos motores, o que ajuda a manter a chamada inércia do sistema, reduzindo as oscilações de frequência prejudiciais ao sistema elétrico.
Nos equipamentos assíncronos, como os usados nas centrais eólicas e solares, onde tal sincronia é inexistente, são bem mais frequentes as oscilações de frequência que podem ocasionar interrupções nos sistemas elétricos
O relatório foi publicado após uma queda de energia no aeroporto de Heathrow, em Londres, causada por um incêndio local, que fechou o aeroporto por 24 horas e provocou transtornos no tráfego aéreo em toda a Europa e na América do Norte.
Na mesma reportagem, é citada uma nota da própria Agência Internacional de Energia (AIE), circulada durante um seminário sobre segurança energética realizado em Londres, a qual chama a atenção para as vulnerabilidades dos sistemas energéticos, causadas pela “retirada prematura de geração despachável [termelétricas, hidrelétricas e nucleares – LC] sem substitutos adequados”.
A nota diz: “Olhando para adiante, a paisagem de risco evoluirá, assumindo que as transições energéticas se acelerem... Desafios sistêmicos emergirão do balanceamento de descasamentos mais frequentes entre a disponibilidade de oferta e a demanda durante períodos estendidos, em sistemas de geração crescentemente dominados por fontes renováveis.”
O jargão técnico implica, essencialmente, no seguinte: quanto maior for a presença das fontes intermitentes nos sistemas elétricos, mais propensos a ocorrências de instabilidade potencialmente causadoras de interrupções no abastecimento eles serão. Como se viu na Espanha, Chile, Brasil, Texas e outros lugares onde ocorreram grandes blecautes nos últimos anos.
É curioso e significativo que a AIE seja uma das principais batedoras de bumbo da descarbonização da economia mundial, embora o seu entusiasmo com a transição energética baseada na substituição acelerada dos combustíveis fósseis tenha arrefecido recentemente.
Ainda no Reino Unido, o Telegraph informa que o Gabinete do Governo (Cabinet Office) divulgou o seu próprio relatório sobre o risco de um blecaute nacional, considerando-o “baixo”, mas com efeitos potencialmente desastrosos.
Um tal evento poderia “causar uma disrupção significativa e disseminada nos serviços públicos, negócios e lares, bem como perdas de vidas”.
“Uma restauração plena [do abastecimento – LC] poderia levar até sete dias, mas, dependendo da causa da falha e dos danos, a restauração de serviços críticos pode levar vários meses”, adverte o relatório.
Não obstante, um porta-voz do Departamento de Segurança Energética e Carbono Zero Líquido disse ao jornal: “O Reino Unido tem um dos sistemas elétricos mais confiáveis do mundo – em seus 75 anos de história, nunca houve uma queda completa da rede.”
Palavras parecidas foram ditas pela presidente da concessionária Red Eléctrica de España, Beatriz Corredor, apenas 11 dias antes do apagão ibérico.
Em síntese, não será surpresa se estivermos presenciando um prenúncio do apagão da transição energética, como definido pelos pregoeiros do apocalipse climático.
Conteúdo editado por: Aline Menezes