Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
Francisco Razzo

Francisco Razzo

Francisco Razzo é professor de filosofia, autor dos livros "Contra o Aborto" e "A Imaginação Totalitária", ambos pela editora Record. Mestre em Filosofia pela PUC-SP e Graduado em Filosofia pela Faculdade de São Bento-SP.

Papado

Sobre o conclave ou contra a sociedade da transparência

quando começa o conclave
Cardeais eleitores participam da missa pro eligendo pontifice, que antecedeu o conclave de 2013. (Foto: Michael Kappeler/EFE)

Ouça este conteúdo

Vivemos a era da luz total, da tirania da transparência. Tudo deve ser visível, explicável, documentado, fotografado, postado, compartilhado... Se o segredo deve ser visto com suspeita, o silêncio será omissão e o sagrado, culpa. A sociedade aberta tem seus deuses e inimigos. Talvez seja exatamente por isso que um conclave desperte tanto interesses e a ira dos inimigos.

A Igreja Católica – velha, lenta e excessivamente barroca – fecha as portas da Capela Sistina, retira os celulares, confisca o Wi-Fi e nos dá, como único sinal de vida, fumaça. Preta ou branca. Sem notificações no celular, sem debate na Band, sem making of das vaidades e das cadeiradas.

Um conclave, portanto, não agride pela opacidade. Agride porque ainda ousa ser litúrgico demais num tempo funcional. Ali, entre os belíssimos afrescos da Capela, ainda se acredita que a escolha do sucessor de Pedro exige mais do que urnas eletrônicas. Um conclave insiste em repetir um teatro ancestral por uma simples razão teológica: o protagonista não é visível. É o Espírito.

Claro, para os defensores da fé democrática – laica, progressista, tecnológica – tudo isso é intolerável. Uma reunião de homens velhos, em segredo, escolherá um chefe religioso com poderes globais e... infalíveis. Como se não bastasse, escolhem sem participação popular, sem sabatina da Natuza Nery e entrevista no Roda Viva. Blasfêmia! Os deuses da transparência não toleram portas fechadas.

E o que se espera do novo papa é a fidelidade ao Magistério. Porque, apesar de tudo, ainda há um altar. Ainda há uma chave. E ainda há uma Igreja que se tranca, não para esconder, mas para lembrar que o céu se busca em silêncio e orações

Pois é, não toleram, mas é justamente aí que o conclave brilha: no que ele nega e no que ele se opõe. Ele nega a tirania da transparência. Ele recusa o dogma moderno, que diz que tudo deve estar à vista, o tempo todo, para todos. Como se o excesso de luz, por si só, garantisse o excesso de verdade.

A verdade, lembra a tradição cristã, não se impõe por holofotes. Se revela. Não em códigos secretos, em Carne. No tempo de Deus. O conclave é, por isso, um escândalo. Porque ele se recusa a ser moderno. E a fidelidade à tradição exige forma, exige rito e regras. Isola-se para lembrar que há decisões que não se tomam em praça pública. Vela-se para mostrar que o sagrado não é um dado, um fato jornalístico. É um dom.

A quem busca com paciência, a quem suporta o silêncio. O fato é que o mistério ali não é privilégio esotérico – é proteção amorosa. E a luz total, essa que o mundo moderno exige, nem sempre ilumina. Às vezes, cega.

Pode até se dizer que tudo não passa de um teatro, um jogo de interesses políticos. Em certa perspectiva, até é. Porém com uma diferença crucial: é um teatro que aponta para o alto. Não para as câmeras. A política moderna, essa sim, é teatro horizontal. Vazia e cenográfica. Seus líderes são marionetes do marketing eleitoreiro. No fundo, no mundo moderno, antes de se governar, se gerencia percepções públicas.

VEJA TAMBÉM:

O papa, ao contrário, não precisa de voto popular. O conclave, com sua fumaça e seus murmúrios, nos lembra que há um tipo de autoridade que não nasce do consenso democrático e da transparência pública. Nasce, ao contrário, do assentimento interior. Esse assentimento não se mede em números e tendências do eleitorado. É depósito de Fé.

A lógica do conclave é, de fato, antidemocrática. Um tipo de verdade que não se decide por maioria. Sejamos honestos: se dependesse do voto popular, Jesus teria sido crucificado de novo, e de novo, e de novo... Por isso o conclave é lento. Cerimonioso. Arcaico. E ainda assim (ou por isso mesmo) profundamente necessário e atual. Ele resiste. Resiste à exposição compulsiva, à confissão pública obrigatória, ao excesso de autenticidade.

Vivemos, como diz um famoso pensador coreano-alemão, numa sociedade que transformou a transparência em valor supremo. Onde tudo é performance de si. Onde não há mais interioridade – só a superfície. Tem dúvida? Pense na Janja, no Barroso... Nesse mundo, o conclave só poderia ser mesmo uma ofensa política. Afinal, ele preserva o segredo. E, com ele, a dignidade do sagrado.

A Igreja sabe que nem tudo deve ser dito imediatamente. Logo, o conclave é uma das últimas instituições que ainda entende a diferença entre o que se pode saber e o que se deve calar, isto é, entre o secular e o sagrado. Com sua liturgia, mostra-se que o poder espiritual não é negociável. É recebido.

O que se passa ali dentro? Quem vota em quem? Quais alianças são feitas? O mundo quer saber. E o mundo não saberá. Porque não precisa. Porque não merece. Porque há coisas maiores do que a curiosidade pública. E não adianta assistir ao filme Conclave...

A fumaça sobe. Nessa hora, a imprensa secular reconhece que ainda há um tipo de poder que está fora do seu controle. Graças a Deus. E o que se espera do novo papa é a fidelidade ao Magistério. Porque, apesar de tudo, ainda há um altar. Ainda há uma chave. E ainda há uma Igreja que se tranca, não para esconder, mas para lembrar que o céu se busca em silêncio e orações.

Conteúdo editado por: Jocelaine Santos

Use este espaço apenas para a comunicação de erros

OSZAR »