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Em tempos de conclave, os olhos do mundo se voltam para a Igreja. Além de toda curiosidade, há expectativas sobre o nome do próximo papa. Também há inúmeras análises políticas e eclesiais, há listas e especulações. No entanto, sob todo o ruído de previsões midiáticas, gostaria de deixar uma reflexão a respeito da forma da fé cristã numa era de banalidades. Não na forma política, doutrinária etc. Aqui, penso mais a respeito daquilo que a Igreja mostra ao mundo com sua presença. Do modo como ela ainda tenta tornar visível o mistério que proclama.
O importante teólogo suíço Hans Urs von Balthasar escreveu que o cristianismo começa com a beleza. A revelação divina não se impõe como teoria nem como sistema. Primeiro, ela se dá como esplendor. A forma de Cristo — sua vida, sua cruz, seu silêncio, seu corpo ressuscitado — manifesta a glória de Deus. Essa glória não é acessível por dedução lógica, tabelas e algoritmos. O cristianismo é uma religião da forma. Nos termos de Balthasar, a forma significa a manifestação visível da plenitude interior de um ser. A forma é aquilo que permite reconhecer algo como aquilo que é, em sua unidade, integridade e finalidade. Ela é o lugar onde o sentido se dá a ver. O cristianismo é uma religião do Verbo feito carne. A fé nasce ao contemplar um rosto. A forma da fé cristã, portanto, é a do rosto de Jesus Cristo.
Por sua vez, esplendor é aquilo que torna a forma reconhecível. Não é brilho superficial, nem efeito sensível na retina. É a irradiação da verdade encarnada. O esplendor é a luz própria da forma verdadeira. Quando algo é pleno em sua integridade, em sua harmonia, em sua finalidade, ele brilha, isto é, transborda. Esse brilho não vem de fora. Ele brota do próprio ser. É por isso que o esplendor de Cristo se manifesta de modo supremo na cruz. Ali onde os olhos humanos veem fracasso, a fé reconhece a forma do amor perfeito. Não há beleza mais alta do que essa entrega sem reservas. Não há esplendor mais denso do que aquele que atravessa a escuridão da morte com fidelidade.
Essa beleza, porém, não é decorativa. Ela é a verdade em forma sensível. Quando a beleza do rosto de Cristo é retirada do centro, o cristianismo perde seu sentido. Torna-se um discurso entre outros, um valor entre muitos. Deixa de revelar o assombro dessa doação de Deus.
A Igreja é o corpo visível dessa forma. Tudo nela tem vocação sacramental. Cada gesto, cada espaço, cada palavra litúrgica é chamado a corresponder ao mistério que representa. A arte sacra não nasce de um impulso estético desligado da fé. Ela brota da contemplação do mistério pascal: da paixão, morte e ressurreição. O ícone, o canto, o altar, a arquitetura das igrejas, o cuidado com os tempos litúrgicos — tudo isso forma um único movimento: conduzir os sentidos à fé, levar o olhar ao invisível, abrir o coração ao eterno. O conclave precisa ser lido nessa chave — sem qualquer trocadilho — litúrgica.
Em contraste a isso, a experiência estética contemporânea produz imagens a um ritmo acelerado. A estética dominante não revela nada. Apenas distrai. É projeto de dominação, como denunciava Adorno, da Escola de Frankfurt, sem qualquer interesse em defender o cristianismo. Em vez de conduzir ao esplendor, a estética da banalidade recobre o real com um véu de estímulos incessantes. O belo se dissolve no agradável; o símbolo se reduz ao efeito psíquico. A arte se torna consumo, autoexpressão, receita e anestesia. O olhar é reduzido ao julgamento instantâneo, para o prazer imediato. A dança, a música, os gestos — tudo sensualizarão natimorto.
A liturgia cristã caminha na direção oposta. Ela é lenta, porque acompanha o tempo de Deus. Ela é repetitiva, porque educa a alma pela fidelidade. Ela é simbólica, porque se dirige ao mistério. Não oferece estímulo, oferece forma. Não produz entretenimento, convida ao assombro. Sua beleza não se mede por critérios estéticos subjetivos. Ela não busca agradar; ela deseja revelar. O esplendor da liturgia não está na criatividade nem na performance: está na correspondência entre forma e verdade.
Quando a liturgia perde sua forma, a fé perde seu propósito salvífico. Quando os espaços sagrados são reduzidos a rituais de estímulos, quando a música se reduz à estética do consumo, quando os gestos sagrados se tornam todos improvisados, a luz do cristianismo se apaga. A arte litúrgica, longe de ser decorativa, participa da missão da Igreja. O altar, o ícone, o incenso, o canto gregoriano ou polifônico, o silêncio orante — tudo isso forma o Corpo Místico de Cristo, e é por essa forma que a Igreja vive.
Obviamente, falo tudo isso a partir da minha própria história. Minha conversão não se deu por argumentos. Não foi a leitura de um tratado que me convenceu da verdade do Evangelho. Foi a entrada silenciosa e curiosa em uma igreja. Lembro-me bem: uma capela aqui em São Paulo, iluminada por vitrais simples que filtravam a luz como se o tempo tivesse outro peso. Tinha cheiro de madeira velha e incenso. Tinha o altar de pedra, a cruz suspensa. O silêncio. Foi ali, diante dessa forma de inconfundível beleza, que não se explica com conceitos, que compreendi que Deus era presença.
Que a missão do próximo papa seja a de devolver ao mundo o esplendor da fé — não com estratégias políticas e marketing da banalidade, mas com a fidelidade à beleza de Cristo.