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A economia brasileira dá sinais de desaceleração. E essa aparente perda de tração é recebida com certo alívio por muitos economistas. Até o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, diz esperar uma "moderação" no avanço do PIB.
O "mercado" (aqui entendido como a expectativa mediana de bancos, corretoras, consultorias) e a própria Fazenda acreditam que o crescimento deste ano será o menor desde o início da década. Projetam variação de 2% e 2,3%, respectivamente.
Já houve freada no fim de 2024. Embora o crescimento acumulado no ano (3,4%) tenha sido o maior desde 2021, nos três últimos meses o avanço do PIB foi de apenas 0,2%, o menor em cinco trimestres.
Pode ser que a economia cresça mais neste começo de 2025 no embalo do agronegócio, que espera colher safra recorde após a frustração do ano passado. Para a sequência, porém, há expectativa de números trimestrais mais próximos de zero. Mesmo assim, o tom de boa parte das análises não é de lamento.
E por que o alívio? Por que economistas e até Haddad parecem torcer por uma freada ou, vá lá, moderação?
A explicação é que a economia brasileira vinha crescendo acima de suas possibilidades, anabolizada por despesas do governo, o que jogou preços lá para cima. Há previsões de que a inflação em 12 meses pode chegar a 5% na divulgação do IPCA desta quarta-feira (12), e beirar 5,7% ao fim do ano. O teto da meta perseguida pelo Banco Central é de 4,5%.
Nesse cenário, uma desaceleração pode indicar que o trabalho do Banco Central, que vem elevando os juros, começou a dar resultado. Tudo o mais constante (não é fácil), inflação e expectativas talvez se acalmem um pouco, dispensando aumentos muito maiores da Selic ou mesmo abrindo espaço para cortes na taxa ainda neste ano.
O próprio Haddad afirmou dias atrás que uma "calibragem" é fundamental para a economia continuar crescendo, "mas mantendo a inflação minimamente controlada". Claro que a contenção do PIB aguardada por ele e sua ideia de inflação "minimamente controlada" não coincidem exatamente com as do mercado.
"Não é que os economistas não querem ver a economia crescendo. A questão é que víamos no ano passado uma economia que dava todos os sinais de superaquecimento", diz Rachel de Sá, estrategista de investimentos da XP. "Costumo comparar com o superaquecimento de um computador. Você não quer o seu computador superaquecendo, porque ele vai quebrar."
Pelos cálculos da XP, o PIB potencial do Brasil é de algo entre 1,5% e 1,8%. Esse seria o nível que o país consegue crescer por longos períodos sem gerar inflação. "O ideal é aumentar a produtividade para aumentar o potencial da economia. E não operar acima do potencial", afirma a economista.
Para ela, os dados mais recentes de atividade econômica e confiança de consumidores e empresários mostram uma virada de ciclo. "Se isso seguir conforme o esperado, conforme o livro-texto indica, ótimo, porque é sinal de que a política monetária está fazendo efeito."
A XP acredita que a Selic, hoje em 13,25% ao ano, vai terminar 2025 em 15,5%. A inflação, em 6%. Para o PIB, a expectativa é de 2%. Efeitos mais fortes apareceriam em 2026, com PIB variando apenas 1% e inflação no teto de 4,5%, o que permitiria ao BC baixar o juro básico para 12,5%.
Nem todo mundo admite essa lógica. Muitos economistas condenam a tentativa de esfriar a economia para segurar a inflação. Em nome do PIB, toleram altas mais fortes nos preços e se aborrecem com alertas sobre os gastos públicos. Ninguém concorda mais com eles que o presidente da República.
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Lula quer impedir freada do PIB
Por mais que pesquisas de opinião mostrem o povo indiferente ao aumento do PIB e decididamente incomodado com a inflação, Lula fará o possível para impedir a freada da economia.
Liberou o saque do FGTS a parte dos cotistas e quer ampliar o crédito consignado. As duas medidas têm méritos: facilitam o acesso do trabalhador a um dinheiro que é dele ou a empréstimos com juros mais baixos. Mas também têm o indisfarçado objetivo de se contrapor ao Banco Central.
Pode ser que outras medidas do gênero apareçam mais adiante, para fazer a economia crescer conforme a vontade do presidente.
"O efeito disso é que podemos ser obrigados a conviver com juros altos por mais tempo, ou eventualmente juros ainda mais altos", conclui Rachel de Sá, da XP.