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O advogado Marcelo Sant’Anna, que defende Filipe Martins, ex-assessor de Jair Bolsonaro, explicou sobre a motivação da saída do ex-desembargador Sebastião Coelho do caso. Em entrevista à coluna Entrelinhas, ele contou em primeira mão que "Coelho deixa a defesa por problemas de saúde e para seguir uma jornada de luta na área política". Sant'Anna ainda denunciou uma série de violações de prerrogativas durante o julgamento realizado no Supremo Tribunal Federal (STF).
Por unanimidade, os ministros tornaram Martins e outros cinco réus na terça-feira (22). A Procuradoria-Geral da República atribui a Martins a responsabilidade por ter apresentado e defendido, perante o ex-presidente Bolsonaro, um suposto rascunho de decreto que instauraria estado de sítio no país. O advogado relatou restrições impostas à atuação da defesa, apontou falhas processuais graves e afirmou que o Ministério Público Federal e a Polícia Federal teriam ocultado provas essenciais ao caso.
Celulares lacrados: "Não existe base legal"
Sant’Anna lembrou que todos os presentes na sessão — incluindo advogados, imprensa e até parlamentares — foram obrigados a lacrar seus celulares em embalagens plásticas herméticas, que impediam qualquer tipo de consulta aos autos digitais durante o julgamento. “Os autos são eletrônicos, com milhares de páginas. Como poderíamos consultar o processo ao longo da sessão?”, questionou o advogado, destacando que a equipe de defesa precisou recorrer a anotações manuscritas como alternativa. “Nos deram apenas um bloco de papel. Nem caneta havia”, descreveu.
Ele classificou a medida como uma “violação brutal” das prerrogativas da advocacia, afirmando que não existe base legal para a supressão de dispositivos de comunicação em um espaço público, mesmo sob a justificativa de sigilo. “O Judiciário pode decretar o sigilo de um ato, mas não pode confiscar celulares. Caso haja abuso, a responsabilização deve ser individual, e não por meio de uma regra geral”, destacou.
Postura "ineficaz" da OAB
Sant’Anna também criticou a postura da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), afirmando que a atuação da entidade diante do episódio foi ineficaz. “Levei a reclamação a um representante da OAB que estava presente, mas ele foi ignorado pelo STF. Nenhuma providência concreta foi adotada”, disse. Ele cobrou uma resposta mais firme da entidade: “Esperava uma atitude mais contundente. Por muito menos, já vi a OAB realizar atos de desagravo e emitir notas públicas”.
Ocultação de provas
Durante sua sustentação oral, o advogado afirmou que o Ministério Público e a Polícia Federal tiveram acesso a provas que não foram compartilhadas com a defesa. Ele mencionou, como exemplo, dados de geolocalização e registros de extratos de aplicativos coletados por ordem judicial em outubro de 2023. “Essas informações foram enviadas ao MPF e ao próprio Supremo, mas a defesa nunca teve acesso”, declarou.
Sant’Anna argumentou que o não compartilhamento de provas favoráveis ao réu configura uma nulidade processual e citou a jurisprudência do próprio STF, que já reconheceu a aplicação da doutrina Brady, originária da Suprema Corte dos Estados Unidos. Essa doutrina determina que o Ministério Público é obrigado a entregar à defesa qualquer elemento de prova que possa favorecer o acusado. “A ocultação de provas pode, inclusive, levar à rejeição da denúncia”, ressaltou. “Estamos diante de um desvirtuamento de institutos básicos do processo penal”, observou.
O advogado também chamou a atenção para a conduta do Procurador-Geral da República, Paulo Gonet, durante a sessão. “Quando confrontei o Ministério Público com essas questões, ele não me olhou nos olhos. Pode ser coincidência, mas considero simbólico. Saímos com a certeza de que estamos com a razão”, opinou.
"Precedente perigoso e equívocos jurídicos"
Ao abordar a condução do processo, Sant’Anna alertou para o que considera um precedente perigoso. “Estamos criando um padrão que poderá ser replicado por magistrados em todo o país. Juízes poderão confiscar celulares de advogados, julgar causas nas quais tenham interesse direto e suprimir garantias processuais”, apontou.
O jurista avaliou ainda que o julgamento de Filipe Martins tem sido conduzido com falhas técnicas e equívocos jurídicos por parte da mais alta corte do país. “Durante a sessão, ouvimos erros grosseiros sobre processo penal, impropriedades que não deveriam ocorrer no Supremo Tribunal Federal. A jurisdição emprestada pelo tribunal contém equívocos. E a história, mais cedo ou mais tarde, julgará todos nós”, avaliou.
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