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Alexandre Garcia

Alexandre Garcia

Constituição

Os três macaquinhos

Constituição do Brasil segurança jurídica
Constituição cada vez mais vira papel inútil, de tanto ser desrespeitada, inclusive no STF. (Foto: Beto Barata/Arquivo PR)

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“O pior cego é aquele que não quer ver.” A sabedoria popular poderia acrescentar, analogamente, que o pior surdo é aquele que não quer ouvir; e o pior mudo é aquele que não quer falar. No Brasil praticamente todos têm celular; e quase 200 milhões de brasileiros são capazes de ler. Quer dizer, a maioria dos brasileiros tem condições de consultar, no celular, algo como “liberdade de expressão na Constituição”, ou “proibição de censura na Constituição”, ou “inviolabilidade de deputados e senadores na Constituição”. Fica fácil para a maioria perceber que a Constituição, nossa lei maior, não está sendo cumprida em questões essenciais que caracterizam uma democracia.

Além da fiscalização e julgamento do povo, supremo poder numa democracia, a Constituição exige dos deputados, senadores e presidente da República o juramento de cumprir, guardar e defender a Carta Magna, vale dizer, seguir os princípios lá inscritos; em especial, a Lei Maior atribui ao Supremo a guarda da Constituição; e, ao Ministério Público, a defesa da ordem jurídica e do regime democrático. A Constituição também estabelece que as Forças Armadas destinam-se à garantia dos poderes constitucionais. E qualquer jornalista sabe que se espera do jornalismo o alerta, a crítica, a denúncia, sempre que perceber qualquer arranhão na maior das leis, que é a Constituição, base da ordem, das liberdades, das garantias, e barreira contra o arbítrio e o avanço do poder sobre os direitos individuais.

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Dogmas do Direito, como o devido processo legal, o amplo direito de defesa, o juiz natural, a inexistência de juízo de exceção, já foram atingidos por heresias. E a Ordem dos Advogados do Brasil não viu, não ouviu e não falou. Congressistas são violados na sua imunidade absoluta por opiniões e palavras, e o Senado, que poderia recuperar o artigo 53 da Constituição, não vê, não ouve, não fala. No julgamento de Dilma, os senadores rasgaram pelo meio o parágrafo único do artigo 52 e eu, que transmitia ao vivo para a televisão, vi, ouvi e não falei. Não cesso de me repreender por ter perdido a oportunidade de mostrar o que está na Constituição.

Por que tanta cegueira, surdez e mutismo? O Senado, que poderia resolver isso, em 81 senadores, tem apenas 24 dispostos a votar impeachmentsEsse resultado reforçaria o atual regime de democracia relativa. Além disso, a cegueira, a surdez e o mutismo revelam o pouco caso que os responsáveis conferem à Constituição e às instituições democráticas. Por enquanto o vácuo de liberdade só atinge a uma metade da nação, mas o autoritarismo não vai se saciar a não ser com o total, de totalitário. Os omissos agem como os três macaquinhos: ouvidos tapados, olhos bloqueados, boca fechada. Amanhã, quando os macaquinhos abrirem os olhos, o que conseguirão dizer?

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Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

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