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O escândalo bilionário dos descontos fraudados de entidades sindicais em aposentadorias e pensões do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) renovou velhas suspeitas sobre o ministro da Previdência, Carlos Lupi (PDT), e aumentou a pressão de parlamentares da oposição e da opinião pública por sua demissão.
Com histórico de irregularidades em governos petistas, Lupi tornou-se o alvo mais notório do novo episódio, envolvendo fraudes que provocaram prejuízos a 6 milhões de vítimas, no total estimado em até R$ 6,3 bilhões.
Ele deve ser ser ouvido em comissões na Câmara e no Senado nesta terça-feira e vai ter que explicar por que não investigou o esquema de fraude bilionário ao ser alertado em janeiro de 2023 pela ex-integrante do Conselho Nacional de Previdência Social, Tonia Galetti.
O ministo afirmou inicialmente que não foi omisso e tomou medidas para resolver o problema, mas nesta segunda-feira (28) reconheceu que a investigação levou "tempo demais".
Mas a investigação só ocorreu mesmo com ações da Controladoria-Geral da União (CGU) e da Polícia Federal (PF), com a operação “Sem Desconto” iniciada quarta-feira (23). Ela já resultou na queda do presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, um indicado de Lupi.
A operação revelou que entidades não tinham estrutura para prestar os serviços prometidos, como assessoria jurídica e convênios com academias. Na maioria das vezes, assinaturas falsas serviam à autorização de descontos.
O valor retirado, sem autorização, era repassado a associações que alegavam oferecer serviços como assistência jurídica, financeira e de saúde. Contudo, os segurados não eram filiados a essas entidades, nem haviam autorizado qualquer desconto. Em muitos casos, os valores descontados giravam em torno de R$ 70 mensais.
O golpe era descoberto quando os beneficiários percebiam a redução no valor do benefício e identificavam cobranças desconhecidas no holerite. Em 2024, o INSS já contabilizava 130 mil denúncias de descontos não autorizados, o equivalente a 2% dos 6,5 milhões de segurados vinculados a associações.
O INSS anunciou que os aposentados e pensionistas que tiveram desconto de mensalidade associativa não autorizado no contracheque de abril terão o dinheiro devolvido na próxima folha de pagamento de maio, mas não disse que medidas serão tomadas para reembolsar quem foi lesado por anos. Futuras mensalidades já foram suspensas.
A devolução dos descontos associativos feitos antes de abril de 2025 e não reconhecidos pelos beneficiários serão avaliados por grupo da Advocacia-Geral da União (AGU) que tratará especificamente do tema.
Nesta segunda-feira, a Febraban (Federação Brasileira de Bancos) levou uma nova denúncia para Lupi. A entidade afirmou que bancos estão cobrando taxas indevidas por concessão de antecipação salarial para aposentados do INSS. O ministro disse que encaminharia as informações para a Polícia Federal, segundo o jornal O Globo.
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Ministro foi alertado sobre fraudes no INSS há mais de um ano e não reagiu
Lupi foi alertado há mais de um ano sobre o avanço de denúncias de fraudes nos descontos aplicados a benefícios do INSS. A informação consta da ata de reunião do Conselho Nacional da Previdência Social de junho de 2023.
Estavam na reunião representantes do Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos (Sindnapi), investigado pelas fraudes e que tem hoje José Ferreira da Silva, o Frei Chico, irmão de Lula, como diretor vice-presidente.
A ata do encontro diz que Tonia Galleti, do Sindnapi, expôs o problema a Lupi. Mas, conforme reportagem da TV Globo, o ministro excluiu o tema na pauta e levou mais de um ano para adotar medidas contra irregularidades.
Na sexta-feira (25), o INSS divulgou lista de 11 entidades investigadas pela CGU: Contag, Sindnapi; Ambec, Conafer, AAPB, AAPPS Universo, Unaspub, APDAP PREV (ex-Acolher), ABCB/Amar Brasil, CAAP, e AAPEN (ex-ABSP).
Contudo, o número de associações de classe sob suspeita já subiu para 31, com indícios de participação em descontos irregulares. Além do presidente do INSS, que foi demitido, cinco servidores do instituto foram afastados.
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O que o ministro disse sobre o caso
Lupi admitiu ter conhecimento prévio das irregularidades nos descontos aplicados a beneficiários do INSS. Em entrevista ao jornal O Globo, ele reconheceu a demora na adoção de medidas para conter as fraudes, justificando que a burocracia governamental atrasou a resposta.
"Eu sabia o que estava acontecendo, das denúncias. Eu sabia que estava havendo um aumento muito grande [dos descontos nas mensalidades], que precisava fazer uma instrução normativa para acabar com isso e comecei a me irritar pela demora. Só que o tempo no governo não é o tempo de uma empresa privada", afirmo o ministro ao veículo.
Indagado sobre o conhecimento das denúncias, em 2023, ele negou ter sido omisso e argumentou que o desconto envolvendo as entidades sindicais já existiam antes do governo Lula.
"Se sou omisso, por que pedi o relatório e demiti o diretor? Quem é omisso não demite ninguém. Esse desconto associativo existe há muitos anos e sempre teve muita denúncia na Ouvidoria. Pela primeira vez o nosso governo, a CGU, a PF, o Ministério da Justiça e a área de inteligência da Previdência, que recebe as denúncias, começaram a apurar", afirmou Lupi.
Em sua defesa, Lupi afirma que, ao ser informado sobre os indícios de fraudes em 2023, solicitou apuração interna, que teria sido prejudicada pela demora na entrega de resultados.
Ao jornal O Estado de S. Paulo, Lupi afirmou, no domingo (27), que a apuração foi concluída em 6 de setembro de 2024. “Não me omiti, procurei agir”, declarou o ministro.
Lupi disse ainda que havia pedido medidas ao já demitido diretor de Benefícios e Relacionamento com o Cidadão do INSS, André Paulo Felix Fidelis, que alegou “dificuldades para corrigir” 6 milhões de fraudes.
Deputados e senadores da oposição querem interrogar Lupi e até abrir CPI
A Comissão de Fiscalização e Controle (CFC) do Senado agendou para esta terça-feira (29) sessão na qual Lupi é esperado para dar esclarecimentos. O convite foi feito antes da revelação do escândalo e sua presença é incerta.
Além desse convite, foram apresentados dois requerimentos: outro convite de Dr. Hiran (PP-RR) e uma convocação formal do líder da oposição no Senado, Rogério Marinho (PL-RN), que, se aprovada, obrigará Lupi a comparecer depois.
Na Câmara, a oposição colhe assinaturas para abrir uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dedicada a investigar as fraudes no INSS. O requerimento, do Coronel Chrisóstomo (PL-RO), conta com 69 apoios dos 171 necessários.
Deputados também estão elaborando pedidos de convocação de Lupi, para que ele preste esclarecimentos a comissões da Câmara. Aliados do governo temem que as iniciativas reforcem a imagem de corrupção associada ao PT.
A demissão do presidente do INSS foi realizada por ordem direta de Lula, após resistência inicial de Lupi, cujo afastamento foi cogitado. O presidente até se reuniu com ministros e sua área da comunicação para avaliar o tema.
Já o líder do PDT na Câmara, Mário Heringer (MG), declarou que a eventual demissão de Lupi seria equivalente a “demitir o partido” do governo, indicando que a sigla não aceitaria indicar um substituto para o ministério.
Irregularidades em gestões do PT já haviam levado ministro a ser demitido no governo Dilma
A própria CGU havia alertado sobre descontos irregulares no INSS já em 2024, mas nenhuma providência foi tomada para coibir fraudes. Essa situação remete a outras controvérsias durante passagens de Lupi por governos do PT.
Em 2011, no governo Dilma Rousseff (PT), Lupi, então ministro do Trabalho, foi acusado de favorecer irregularidades em convênios da pasta com organizações não governamentais (ONGs). Assessores teriam cobrado propina para liberar recursos, com sua anuência. Houve ainda acusação de um repasse de R$ 3,75 milhões a uma associação fantasma.
Lupi foi demitido pela acusação, por acumular cargos públicos de forma ilegal, por ser servidor fantasma na Câmara e pela notícia de que, em 2009, na gestão Lula, usou uma aeronave oferecida pelo empresário Adair Meira, ligado a uma ONG favorecida por sua pasta. Ele a princípio negou conhecer o empresário, mas depois mudou seu depoimento e disse que sua relação com o empresário não era pessoal. Em audiência no Senado naquela época, ele declarou inocência e disse que não havia provas contra ele.
Carlos Lupi consolidou sua trajetória política como herdeiro de Leonel Brizola no PDT, partido que preside desde 2004. Sua caminhada ao lado do líder trabalhista começou nos anos 1980, quando Lupi trabalhava em uma banca de jornal no bairro de Ipanema, na Zona Sul do Rio de Janeiro.
A proximidade com Brizola projetou-o na política carioca e permitiu que ocupasse cargos relevantes na administração pública do Rio de Janeiro. Ao ser eleito deputado federal, em 1990, licenciou-se do mandato para chefiar a Secretaria de Transportes da cidade, durante a gestão de Marcelo Alencar (1983–1987).
Após a passagem pelo Executivo carioca, Lupi voltou a atuar na política nacional como deputado federal, mas retornou à cena estadual ao assumir a Secretaria Estadual de Governo na gestão de Anthony Garotinho (1999–2000).
O apoio aos governos petistas teve início em 2007, no segundo mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, quando Lupi foi nomeado ministro do Trabalho. Ele permaneceu no cargo por cinco anos, até pedir demissão em dezembro de 2011, já no governo Dilma Rousseff, em meio a uma série de denúncias de irregularidades e à recomendação de exoneração feita pela Comissão de Ética da Presidência.
À frente do PDT, Lupi também tentou a sorte nas urnas nas últimas duas décadas, mas sem sucesso. Disputou o governo do Rio, em 2006, e obteve apenas 1,5% dos votos. Em campanha para o Senado em 2014, ele teve 3% dos votos e não foi eleito. Seus conflitos com a família de Brizola também marcaram sua gestão no partido.
Em 2013, um dos netos de Brizola acusou Lupi de “vender” o partido ao MDB, que à época controlava o estado do Rio e a capital fluminense, com apoio da legenda de centro-esquerda. Lupi processou Brizola Neto e chegou a declarar que ele "achava que o partido era uma herança".
Depois de mais de uma década afastado do governo federal, Lupi retornou em 2023, no terceiro mandato de Lula, como ministro da Previdência Social. Sua atuação é marcada pela lealdade ao petista e por críticas recorrentes à gestão da pasta.
Em 2024, voltou ao centro das disputas políticas ao intervir na crise interna do PDT nas eleições de Fortaleza. Apesar da decisão oficial de neutralidade no segundo turno, Lupi declarou apoio a Evandro Leitão (PT), enquanto aliados de Ciro Gomes e do ex-prefeito Roberto Cláudio optaram por apoiar André Fernandes (PL).
Na ocasião, o ministro criticou a aproximação de setores do partido com a direita, afirmando que o PDT "jamais poderá estar ao lado dos filhotes da ditadura".
Medida tomada por Bolsonaro para barrar fraudes foi derrubada em 2022
Cerca de 6 milhões de beneficiários do INSS foram vítimas de descontos não autorizados entre 2019, ainda na gestão passada, e 2024. Mas o montante anual descontado subiu significativamente ano a ano.
Os R$ 706 milhões descontados em 2022, último ano do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), pularam para R$ 1,29 bilhão em 2023, primeiro ano de Lula no terceiro mandato, atingindo R$ 2,8 bilhões em 2024.
Diante disso, auditores da CGU entrevistaram 1.273 beneficiários durante a análise sobre o caso e 97% das pessoas desse grupo disseram que não autorizaram os descontos.
A razão disso está na revogação de uma exigência de revalidação periódica para descontos em proventos de beneficiários do INSS, prevista na legislação para coibir fraudes.
Desde os anos de 1990, a legislação autoriza que associações reconhecidas cobrem mensalidades de benefícios do INSS, desde que autorizadas pelos filiados. Mas o descumprimento dessa exigência gerou perdas recorrentes.
A Medida Provisória (MP) 871/2019, editada por Bolsonaro e convertida em lei, exigia que entidades provassem a autorização dos descontos a cada dois anos. No Congresso, o prazo subiu para três anos, prorrogáveis por mais um.
No entanto, em agosto de 2022, durante tramitação de uma Medida Provisória que tratava da criação do microcrédito digital, a exigência foi revogada após pressão de entidades, dispensando o recadastramento periódico.
Com a revogação da regra, o número de entidades associativas saltou de 15 para 33, e os valores descontados explodiram. Segundo dados do INSS, as entidades conveniadas alegam ter hoje 7,26 milhões de filiados.