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A recente controvérsia envolvendo o União Brasil e o governo em torno da indicação do titular do Ministério das Comunicações acabou por reforçar – mais uma vez – a aliança política entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP).
A negativa pública do deputado Pedro Lucas (MA), líder do União Brasil, ao convite para assumir o cargo na pasta, evidenciou o desalinhamento da legenda com o governo. Mas ela também reafirmou o espaço reservado para a atuação de Alcolumbre, que tem objetivos pessoais na relação com o Palácio do Planalto.
A pedido de Alcolumbre, Lula empossou na quinta-feira (24) Francisco de Siqueira Filho, presidente da Telebras, no Ministério das Comunicações. A terceira indicação do senador ao cargo tem a sua total confiança. Ela serve para dobrar o impasse com seu partido, mas enaltece sua cota no governo.
Desde a saída do deputado Juscelino Filho (União Brasil-MA) — alvo de denúncia do Ministério Público por suspeita de desvio de emendas —, o Ministério das Comunicações, um dos três ocupados pelo União Brasil, estava sem titular, expondo a profunda divisão da sua bancada na Câmara.
Influência de Alcolumbre sobre o governo cresce desde a posse de Lula
A influência de Alcolumbre no governo já se refletia em outras indicações importantes, como a do ministro da Integração e Desenvolvimento Regional, Waldez Góes (PDT), e a do diretor da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), Aharon Alcolumbre, seu primo.
A confirmação de mais um nome do grupo político de Alcolumbre consagra a sua posição como um dos principais interlocutores de Lula no Congresso — servindo, sobretudo, como um anteparo do governo no Senado, a chamada casa revisora, diante de possíveis tensões vindas da Câmara. Em outras palavras, matérias desfavoráveis ao governo que passarem pela Câmara podem ser barradas no Senado.
A relação de Lula com Alcolumbre tem se fortalecido desde o início do terceiro mandato do presidente por uma série de encontros, públicos e privados. Eles desenham a aliança estratégica destinada a influenciar decisões políticas e econômicas voltadas à disputa de poder no país e no estado do senador, o Amapá.
Um dos últimos desses encontros foi em 2 de abril de 2025. Lula se reuniu com líderes na residência oficial do presidente do Senado. O objetivo formal era aprimorar o diálogo entre Executivo e Legislativo. “Seguimos empenhados em construir pontes que fortaleçam a democracia e promovam o bem-estar geral”, disse Alcolumbre.
Eleito com amplo apoio da oposição, Alcolumbre serve à articulação de Lula
O histórico de colaboração de Davi Alcolumbre com Lula ganha ainda mais relevância quando se observa o contraste da relação do senador com o governo anterior, de Jair Bolsonaro (PL), quando Alcolumbre era presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Ele se manteve distante e pouco cooperativo.
Alcolumbre recebeu o apoio da grande maioria da oposição na sua eleição em fevereiro, respaldada por Bolsonaro. O acordo visou a reabertura de postos no Senado para a atuação de oposicionistas e flexibilidade em temas específicos, como a anistia aos réus do 8 de Janeiro.
Ao cultivar forte relação com Alcolumbre, Lula faz do Senado uma base de apoio confiável. Isso é crucial diante da instabilidade na Câmara, onde o Centrão prioriza demandas próprias. Alcolumbre, filiado a um partido com viés de oposição, atua para anular projetos que desagradam ao Planalto.
Segundo analistas, a piora na avaliação do governo conforme pesquisas e a chance de Lula enfrentar nas urnas em 2026 uma candidatura rival forte à direita tornam o controle do Senado por um aliado uma necessidade ainda maior para o governo, buscando um muro de contenção de surpresas ruins no Congresso.
União Brasil revive dilemas do MDB e Lula monta articulações para 2026
Para o cientista político Ismael Almeida, a escolha de um Ministro das Comunicações ligado a Alcolumbre segue a aposta de Lula em parcerias personalistas para preservar a governabilidade em meio à instabilidade com partidos aliados. “A fragilidade da base na Câmara acabou fortalecendo a aliança”, disse.
Segundo Almeida, Lula vê apoio consistente no Senado, onde Alcolumbre mantém ampla influência. Ao reforçar o protagonismo do senador, que atua de forma autônoma dentro de seu próprio partido, o chefe do Executivo assegura votos estratégicos e ainda abre articulações eleitorais para 2026.
Luiz Filipe Freitas, analista do escritório Malta Advogados, acrescenta que os desconfortos gerados por posturas antagônicas dentro do União Brasil lembram o passado do MDB, que abrigava forças divergentes. O União hoje está dividido entre governistas, liderados por Alcolumbre, e a oposição que mistura aliados de Bolsonaro e defensores da candidatura presidencial do governador de Goiás, Ronaldo Caiado.
Segundo Freitas, embora Alcolumbre exerça atualmente forte influência na legenda, essa liderança não aponta para uma ruptura formal. A aliança do senador amapaense com o governo o transforma então em um interlocutor estratégico, mas que impõe custo político considerável.
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Chance de tornar Amapá o novo eldorado brasileiro aproxima Lula e Alcolumbre
A exploração de petróleo na Foz do Rio Amazonas é uma das maiores convergências entre Lula e Alcolumbre. Ambos defendem a iniciativa como estratégica. Em fevereiro, eles viajaram juntos ao Amapá para inaugurar obras. “Estou aqui para ajudar o governo em tudo”, disse o senador naquela ocasião.
Embora enfrente críticas de líderes indígenas e ambientalistas, Lula tem se posicionado a favor da exploração, argumentando que o país deve poder “explorar recursos naturais de forma responsável”. Ele e o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, até exigiram concessão de licenças pelo Ibama.
As reservas da Margem Equatorial são consideradas o “novo Pré-Sal”, podem tornar o Amapá, de 800 mil habitantes, o novo eldorado brasileiro. A produção estimada em 1,1 milhão de barris de petróleo diários deve impulsionar o PIB estadual em 61,2% e gerar 54 mil empregos, calcula a Confederação Nacional da Indústria (CNI).
A arrecadação de royalties e os investimentos em infraestrutura, educação e saúde beneficiarão diretamente cidades como Oiapoque, Calçoene, Amapá, Macapá, Itaubal e Santana. A classe política e setores econômicos acompanham de perto essas projeções de impactos significativos no futuro.
Além disso, a exploração de petróleo no Amapá é vista dentro do Palácio do Planalto como uma "moeda de troca" para que Alcolumbre segure uma eventual proposta de anistia aos presos do 8 de janeiro de 2023 no Senado, segundo uma fonte do governo envolvida na articulação e que foi ouvida pela reportagem. A expectativa do governo Lula é de que o senador segure o projeto encampado pela oposição e que pode tramitar na Câmara dos Deputados.
A avaliação entre os petistas é de que o presidente do Senado será essencial para travar o projeto, caso ele seja aprovado pelos deputados. Até o momento, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), tem deixado o texto da anistia na gaveta, mas existe um temor entre os governistas de que, com uma base mais fraca entre os deputados, o tema possa ganhar força e acabe sendo aprovado.
Das 262 assinaturas pela urgência da anistia recolhidas na Câmara, 55% são de partidos com ministérios e 61% são filiados a siglas da base governista. Ou seja, contemplados com outros cargos de segundo escalão, mas não com ministérios.
Em fevereiro, ao ser questionado sobre o tema, Alcolumbre disse que a anistia "não é um assunto dos brasileiros".
O presidente do Senado, no entanto, passou a discutir nas últimos dias a possibilidade de um projeto alternativo ao PL da anistia. Além do próprio governo e do presidente da Câmara, Hugo Motta, a costura conta ainda com a participação de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).
O projeto está sendo desenhado pela consultoria do Senado e a ideia é diminuir as penas dos condenados pela participação nos atos de vandalismo do 8 de janeiro. Contudo, o texto deixaria de fora aqueles que forem condenados como mandantes da suposta tentativa de golpe de Estados, como por exemplo o ex-presidente Jair Bolsonaro, réu numa ação dentro do STF.