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À medida que o tempo passa e os desdobramentos do pacote tarifário de Donald Trump vão se tornando mais claros, as razões que levaram o governo norte-americano a alterar as tarifas sobre importações de produtos oriundos de 160 países, incluindo a China, começam a ser elucidadas. Como de costume, poucas horas após o anúncio das novas tarifas já proliferava uma multidão de opiniões de jornalistas, economistas, políticos e outros analistas, sem sequer ter havido tempo para análise minuciosa dos detalhes e das razões que levaram o governo americano a tomar tal decisão. De saída, surgiram várias opiniões afirmando que o mundo entraria em recessão, e que isso bastava para condenar o ato aprovado pelo presidente Trump.
Com o passar dos dias, a ação do governo americano foi se tornando explícita e o elemento mais importante que determinou a decisão de Trump está relacionado com a China, sobretudo em razão do tamanho do comércio bilateral entre os países. Em 2024, os Estados Unidos importaram US$ 439 bilhões em produtos chineses, enquanto a China importou apenas US$ 144 bilhões em produtos americanos, resultando em elevado déficit dos Estados Unidos na balança comercial entre ambos. Esses dados levaram vários analistas a afirmar que a principal razão do pacote baixado por Trump está no enorme déficit norte-americano no saldo comercial com a China.
Atualmente, não há mais dúvida de que o governo chinês usa a desvalorização de sua moeda e estabelece pesadas tarifas de importações, especialmente sobre produtos importados dos Estados Unidos, como meio de inundar o mundo de produtos baratos e encarecer os produtos que o país importa
A afirmação tem sua dose de verdade, pois o governo americano pretende reduzir seu déficit comercial total com o resto do mundo. Porém, há outros aspectos que permeiam a questão, sobretudo a política de comércio exterior praticada pela China desde que esse país ingressou na Organização Mundial do Comércio (OMC) em 2001 e, por consequência, aderiu às normas internacionais de comércio estabelecidas no âmbito da OMC.Na época, o governo chinês declarou que obedeceria às regras da OMC, jogaria limpo no comércio exterior e seria um parceiro comercial do mundo inteiro, fazendo valer as melhores práticas nas relações multilaterais, de forma a contribuir para que o jogo fosse o mais justo possível.
Ocorre que a China, além de ser um país fechado sob um sistema econômico não liberal, tem um governo fundado no regime comunista implantado por Mao Tsé-tung, líder máximo e fundador da República Popular da China, a qual ele governou desde 1949 até 1976, ano de sua morte. Embora o regime chinês tenha passado por transformações, incluindo alguma abertura econômica e introdução de umas tantas regras capitalistas, a rigor o país continuou sendo um regime socialista sob um governo forte e ditatorial, no qual as liberdades individuais e econômicas são concedidas e tuteladas pelo governo e pelo Partido Comunista. Sob o comando desse regime, a China nunca foi transparente nem cumpridora das promessas feitas quando de seu ingresso na OMC em 2001.
Atualmente, não há mais dúvida de que o governo chinês usa a desvalorização de sua moeda e estabelece pesadas tarifas de importações, especialmente sobre produtos importados dos Estados Unidos, como meio de inundar o mundo de produtos baratos e encarecer os produtos que o país importa. Após o anúncio feito pelo presidente Trump, elevando tarifas sobre importações oriundas de mais de 150 países, a briga entre Estados Unidos e China se acirrou e, depois de muitas idas e vindas, o governo americano elevou as tarifas sobre importação de produtos chineses para 145%, com a China respondendo por meio da elevação de suas tarifas retaliatórias contra produtos americanos para 125%.
Desde o anúncio das novas tarifas, o governo americano declarou que estaria receptivo a pedidos de negociação, resultando que, nos primeiros dias seguintes ao anúncio, mais de 50 nações enviaram mensagens ao governo americano solicitando reuniões para abertura das negociações. No caso da China, a iniciativa para buscar diálogo demorou mais e, na segunda semana de abril, Donald Trump declarou que, sobre eventuais negociações entre os dois países, a palavra estava com a China. Na sequência, o governo chinês apresentou algumas condições para iniciar os contatos com o governo americano e, por meio do porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Lin Jian, enviou o seguinte recado a Trump: “Se os EUA realmente querem resolver o assunto por meio do diálogo e da negociação, o governo Trump deve parar de exercer pressão, ameaçar e chantagear, e estabelecer conversações com a China baseadas na igualdade, respeito e benefício mútuo”.
Os efeitos iniciais da guerra comercial e tarifária agravada pelo pacote de Trump criaram tensões nos mercados, as bolsas de valores sofreram quedas nas cotações de ações, títulos e outros valores mobiliários nelas negociados, em parte porque compradores e vendedores de ativos financeiros deram uma parada nas operações de compra e venda. No caso das quedas nas cotações das ações de empresas de capital aberto, esse foi um movimento que sempre acontece em função da redução no movimento de compras, eas cotações caem à espera dos desdobramentos das medidas e sua absorção pela economia mundial.
De qualquer forma, o mundo dos negócios continua demonstrando preocupações pelo fato de que as alterações tarifárias, nas dimensões anunciadas pelo governo americano, têm potencial para mudar profundamente o comércio exterior global e o nível de crescimento das economias internas. O receio maior reside na possibilidade de haver redução expressiva no crescimento econômico previsto para 2025 e anos seguintes, sendo que os mais pessimistas já falam que o mundo pode entrar numa fase de recessão e suas consequências em desemprego, queda de renda e aumento da pobreza.
Nesse cenário, embora o Brasil não tenha sido fortemente afetado pela elevação da tarifa média imposta pelos Estados Unidos sobre produtos importados oriundos do Brasil (a tarifa adicional anunciada por Trump sobre importação de produtos brasileiros foi de 10%), o comércio exterior brasileiro pode ser afetado por vias indiretas. Ou seja, se a China, a partir da guerra tarifária, tiver crescimento menor do que estava previsto e, por causa disso, houver redução no consumo chinês, as exportações brasileiras para aquele país podem sofrer redução. O efeito disso viria em forma de redução dos preços internacionais das exportações brasileiras, especialmente os produtos do agronegócio e do setor mineral, cenário esse que reduziria os ganhos obtidos pelo Brasil em seu comércio exterior.
A guerra tarifária continua e está longe de ter definições que estabeleçam as regras do jogo para os próximos meses e anos no comércio internacional e no fluxo de capitais entre os países. Esse problema é grande demais e tem potencial para mexer com a economia global em seu todo, de forma que nenhum país escapará de ser afetado pelas mudanças em curso. Embora o Brasil tenha situação relativamente boa na balança comercial e nas reservas internacionais, a deterioração das contas públicas e a ameaça de elevação da inflação criam fragilidades na capacidade brasileira de reagir às turbulências que se anunciam no cenário global.