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O recente caso envolvendo o jogador Ênio, do Juventude, suspeito de forçar um cartão amarelo na primeira rodada do Campeonato Brasileiro, trouxe à tona um problema grave e crescente: a manipulação de resultados no futebol, especialmente influenciada pelo mercado de apostas. Embora a responsabilidade individual deva ser apurada com rigor, é essencial compreender o contexto em que esses episódios ocorrem. A quantidade anormal de apostas sobre a infração acendeu um alerta sobre a vulnerabilidade do esporte e os impactos que esse tipo de prática pode ter não só para o atleta, mas para a credibilidade do jogo como um todo.
A manipulação de resultados costuma envolver quantias irrisórias quando comparadas ao que está em jogo na carreira de um atleta profissional. A promessa de um ganho rápido e fácil pode seduzir, mas não se sustenta frente ao risco de banimento, perda de contratos publicitários, afastamento de seleções e até mesmo sanções criminais. É uma aposta – no pior sentido da palavra – com altíssimo potencial de destruição.
Os casos, no entanto, são numerosos – e cada vez mais preocupantes. Um dos exemplos mais emblemáticos é o de Lucas Paquetá, jogador da Seleção Brasileira e do West Ham. Segundo o jornal The Sun, as apostas ligadas ao meia teriam gerado um retorno de pouco mais de R$ 600 mil – uma quantia quase insignificante frente ao seu salário mensal, estimado em cerca de R$ 4,3 milhões. Ainda assim, Paquetá corre o risco de ser banido do futebol. O episódio escancara a gravidade do problema: a manipulação de resultados, além de eticamente inaceitável, mostra-se absurda até mesmo do ponto de vista financeiro. Trata-se de uma prática que compromete carreiras, fere a integridade do esporte e não encontra justificativa sequer em ganhos materiais.
Assim como Ênio, Paquetá também está sob suspeita por envolvimento em apostas – mas enquanto um é um jovem em ascensão, o outro já é um nome consolidado no cenário internacional, tornando a mensagem clara: ninguém está imune às consequências. Atletas como Ênio constroem suas carreiras com esforço e talento, e colocá-las em risco por ganhos pontuais, muitas vezes repassados a terceiros, é uma troca desastrosa. O jogador havia sido contratado por R$ 1,5 milhão e despertava interesse de clubes como o Grêmio – mas a suspeita de envolvimento em apostas pode resultar em suspensão, banimento ou até implicações criminais.
A principal estratégia para combater esse cenário é a educação preventiva. É papel dos clubes e entidades esportivas investir em formação contínua para que os atletas compreendam os riscos e saibam identificar propostas indevidas. Jovens talentos, muitas vezes sem preparo para lidar com essas pressões, precisam estar munidos de informação e suporte.Ao mesmo tempo, é fundamental que as autoridades desportivas e civis atuem com rigor. A manipulação de resultados corrói a confiança no futebol, desrespeita torcedores, atletas e dirigentes, e compromete a essência do esporte. A regulamentação das apostas é um passo necessário, mas deve vir acompanhada de fiscalização eficiente, mecanismos de detecção e punição exemplar aos responsáveis.
O caso Ênio – assim como o de Paquetá – deve servir como um alerta. Preservar a integridade do futebol exige uma atuação coordenada entre clubes, federações, órgãos de justiça e atletas. A reputação manchada por suspeitas de manipulação dificilmente é recuperada, mesmo que o atleta seja inocentado ao final do processo. Patrocinadores se afastam, clubes hesitam em contratar e o próprio ambiente do esporte se fecha para quem transgride esses valores. A carreira de um jogador não é construída apenas com talento, mas com credibilidade. E essa, uma vez abalada, compromete oportunidades futuras e gera um estigma difícil de apagar. É por isso que, ao final, a manipulação não compensa – ela cobra um preço alto demais, tanto no bolso quanto na alma do esporte.
João Antonio de Albuquerque e Souza é atleta olímpico, graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e mestre em Direito e Justiça Social pela UFRGS. Atualmente, é Presidente do Tribunal de Justiça Desportiva Antidopagem (TJD-AD) e sócio fundador do escritório Albuquerque e Souza.
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos