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O comércio internacional vive, desde a posse de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos, um nascer e pôr do sol sob tensão constante. De um lado, o tarifaço anunciado pelo mandatário norte-americano reacende o protecionismo com força. De outro, o Brasil reage, de forma quase imediata, com a aprovação relâmpago da Lei 15.122 – apelidada, quando de sua tramitação pelo legislativo, de PL da reciprocidade ou da retaliação.
Trump anunciou a imposição de uma tarifa-base de 10% para todos os países a partir de 5 de abril. Para alguns, como a China, o impacto seria ainda maior em função de alíquotas mais elevadas – as quais, entre idas e vindas retaliatórias de ambos os lados, já superam a casa dos três dígitos.Embora tenha igualmente anunciado suspensão por 90 dias das alíquotas excedentes à tarifa-base de 10%, exceto para China, Trump permanece com a prerrogativa, que tanta insegurança gera mundo afora, de mudar os planos a qualquer momento nesse sentido.
Mas como o Brasil pode se proteger em um contexto conflagrado como o atual? Ao aprovar a Lei 15.122/2025 "a toque de caixa", criou-se base legal para reagir com reciprocidade a medidas como essa. Não é uma retaliação automática, mas um sinal claro: estamos preparados para responder. Ainda assim, restam dúvidas. O Brasil retaliará? Quando? E como? No caso brasileiro, produtos como aço e alumínio, já taxados via Seção 232, não serão penalizados com os novos 10%. Mas a tarifa é adicional – ou seja, se um produto paga hoje 5%, passará a pagar 15%. É carga extra, e pode afetar até os setores que teoricamente sairiam ganhando.
A Lei da Reciprocidade cuida de estabelecer base legal para que o poder Executivo possa adotar contramedidas em resposta a ações unilaterais de outros países que afetem a competitividade brasileira. Em princípio, recorde-se que se trata apenas de uma permissão para o poder Executivo retaliar. Obviamente, isso não significa retaliação automática, tampouco imediata. Com a promulgação da Lei, procedimentos adicionais precisarão ser definidos em normativa complementar.
Se eventual negociação, independentemente da “carta na manga” do poder de retaliar agora concedido pela Lei da reciprocidade, vai resultar em benefícios para as indústrias brasileiras, isso ainda é exercício futurista
Deverão ser observadas as diretrizes gerais estabelecidas, dentre as quais merece destaque a sistemática de consultas que, a partir da decisão de retaliar, serão abertas não apenas para definir como isso se dará na prática, mas também para que eventuais interessados – como os que importam produtos norte-americanos – possam se manifestar.
Se os mecanismos previstos na Lei 15.122/2025vão ou não favorecer a posição negociadora do Brasil parece ser algo secundário, dado que é preciso antes entender se a ordem executiva que estabeleceu o tarifaço abre ou não essa possibilidade – tal como ocorrera em menor escala com as tarifas do aço e alumínio em 2017. A resposta a essa questão ainda orbita no “em tese, sim”, algo que a suspensão das tarifas acima de 10% parece corroborar.
De fato, da mesma forma que a normativa do tarifaço estabelece a possibilidade de Trump elevar ainda mais esse adicional-base de 10% na hipótese de haver reação (retaliação, por exemplo) do país afetado, como ocorreu com a China, a ordem estabelece que esse piso também pode ser reduzido caso haja entendimento entre as partes a respeito do endereçamento das premissas que levaram ao adicional imposto. Ou seja: parece evidente que seguir com a histórica política negociadora ainda segue sendo o melhor caminho para o Brasil.
Se eventual negociação, independentemente da “carta na manga” do poder de retaliar agora concedido pela Lei da reciprocidade, vai resultar em benefícios para as indústrias brasileiras, isso ainda é exercício futurista que não se pretende aqui realizar. Com tantas variáveis em jogo, o melhor caminho parece ser o de sempre: negociar. O próprio texto da ordem executiva norte-americana abre espaço para revisão das tarifas em caso de acordo. A promulgação da Lei 15.122/2025 pode até fortalecer a posição brasileira, mas só o diálogo trará segurança real para as exportações.
Análises precipitadas vão, inevitavelmente, incidir em conclusões que podem não ser as mais precisas, um erro crasso que não pode ser cometido em um cenário geopolítico conflagrado, complexo e competitivo. As próximas negociações dirão se o Brasil sairá fortalecido ou apenas estará acuado diante da nova onda protecionista. Nossa diplomacia sempre se destacou, ao longo da história, em saber ter o discernimento para se posicionar sem permitir que a chama das paixões atrapalhe o racional da decisão. O tempo estará ao nosso lado, contanto que essa posição de prudência e sensatez não se transforme em letargia.
Gilvan Brogini é advogado especializado em comércio exterior e atua na equipe da Barral Parente e Pinheiro Advogados.
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos