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Janja não está acima dos princípio constitucionais

Lula e Janja
Presidente Luís Inácio Lula da Silva e primeira-dama Janja. (Foto: Ricardo Stuckert/PR)

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Na legislação brasileira, não há uma só determinação de que o cônjuge do(a) presidente deva exercer qualquer função inerente ao mandato. No entanto, a partir de um costume – que também é utilizado como fonte do Direito Pátrio –, em 1915, foi instituído no Brasil o papel da primeira-dama. Durante evento beneficente, Maria Pereira Gomes, esposa do então presidente da República Venceslau Brás, foi a primeira do país a debutar no posto. Hoje, é Janja, esposa do presidente Lula, a primeira-dama.

Por não existir previsão legal, não há salário, nem estrutura pública destinada à esse papel. A primeira-dama não é considerada, afinal, agente político nem público. No entanto, o ordenamento jurídico brasileiro classifica como agente público qualquer pessoa que exerça expediente público, ainda que sem remuneração e de forma transitória. Assim, sob uma interpretação literal, a primeira-dama, em tese, pode ser considerada agente público, estando, assim, sujeita aos princípios e aos regramentos que regem a administração pública: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência, e supremacia do interesse público.


O Congresso Nacional não só pode como deve questionar e fiscalizar Janja em seu expediente oneroso e confuso, que mistura primeiro-damismo com certidão de casamento e uma espécie de ministério imaginário, criado para lhe enaltecer

O princípio da legalidade prevê que, as pessoas que operam no poder público devam seguir estritamente o que determina a lei. Embora não haja legislação específica que balize a atuação do primeiro-damismo no Brasil, conforme o que o costume estabeleceu, o posto é puramente social. Assim, Rosângela Lula, a Janja, está, não de hoje, violando a lei, uma vez que a primeira-dama não pode substituir o presidente da República em atos, agendas e missões oficiais, nem representar o país em outras nações.

Já a impessoalidade exige atuação desprovida de interesses partidários ou pessoais. Ao questionar o presidente da China sobre o algoritmo do TikTok estar privilegiando conteúdos de direita, Janja concedeu luz a um interesse privado e com ressonância à determinada ala partidária e que lhe é afim (a esquerda), utilizando para tal sua função de primeira-dama. Ou seja, está errado!

A moralidade impõe ética e probidade. Janja já acompanhou o presidente do Brasil – por um acaso, seu marido – em mais de 25 viagens internacionais, totalizando mais de cem dias fora do país – número expressivo, considerando dois anos e meio de mandato. E, por óbvio, os percursos foram custeadas com dinheiro público, proveniente do recolhimento de impostos do contribuinte brasileiro. Vale lembrar que os gastos de todo o governo Lula com incursões oficiais dentro e fora do Brasil somaram mais de R$ 4,58 bilhões, segundo dados da Controladoria Geral da União (CGU). O valor é maior que os R$ 4,15 bilhões em despesas desta natureza em todo o mandato de Jair Bolsonaro (PL).

Outro princípio e regramento da administração pública, a publicidade exige transparência. Contudo, diversas despesas de Janja estão sob sigilo, sem justificativa plausível, o que viola diretamente a lei vigente.

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Por fim, os princípios da eficiência e da supremacia do interesse público determinam o uso racional e eficaz dos recursos públicos. Participações de Janja em eventos como o ballet Bolshoi, desfiles em Paris e espetáculos culturais, tudo custeado com recursos públicos, vão totalmente contra o que prevê a legislação.

O que vemos é uma esposa de presidente que tem a função de primeira-dama, mas que não sabe ao certo o seu papel. Ignora, também, ao que parece, o que demanda a legalidade e, principalmente, viola, sem cerimônias, o bom senso que se espera ter um agente público de um país que precisa cortar gastos e agir com estratégia, responsabilidade e discrição.

O Congresso Nacional não só pode como deve questionar e fiscalizar Janja em seu expediente oneroso e confuso, que mistura primeiro-damismo com certidão de casamento e uma espécie de ministério imaginário, criado para lhe enaltecer além dos limites do caráter social e institucional com o qual deveria, unicamente, se ocupar.

Ísis Sangy, advogada, é especialista em Direito Público, e em Direito Eleitoral e professora de Direito Eleitoral em cursos de pós-graduações e de extensão.

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