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Anistia para 8 de janeiro é igual à da greve da PM no ES

Ato pela anistia de Bolsonaro em Copacabana
O ex-presidente do Brasil Jair Bolsonaro com apoiadores em ato pró-anistia no Rio de Janeiro (Foto: EFE/ Andre Coelho)

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A proposta de anistia humanitária para os manifestantes do 8 de janeiro de 2023 guarda uma semelhança direta com a anistia concedida aos policiais militares grevistas no Espírito Santo em 2019. Ambos os episódios envolveram crises graves que abalaram a ordem pública, gerando a necessidade de respostas políticas que equilibrassem justiça, pacificação social e pragmatismo.

A greve dos PM’s, que durou semanas, trouxe consequências devastadoras: mais de 200 mortes, um aumento alarmante na criminalidade e perdas econômicas estimadas em torno de R$ 180 milhões de reais. O Espírito Santo mergulhou no caos. Ainda assim, o governador Renato Casagrande (PSB) optou por anistiar mais de 2.600 policiais, revertendo expulsões e evitando punições em massa, sob o argumento de que a pacificação era essencial para “virar a página” e restaurar a confiança entre governo, sociedade e corporação. Ainda que a anistia capixaba não tenha sido em matéria penal – porque somente a União (Congresso Nacional) pode legislar sobre o tema –, o governador optou pela pacificação ao anistiar todas as sanções administrativas, através de lei aprovada pela Assembleia Legislativa.

Tanto a greve dos PMs, com suas centenas de mortes e colapso social, quanto os eventos de 8 de janeiro, exigem um equilíbrio delicado. A lição que conecta os dois casos é que, em momentos de ruptura, o diálogo, a humildade e o pragmatismo sem fígado podem ser mais eficazes do que a punição generalizada

Embora diferentes em contexto, ambos os eventos geraram uma crise significativa. No dia 8 de janeiro, manifestantes, em sua maioria pacíficos e inofensivos, protestavam contra os resultados das eleições de 2022, mas uma minoria vandalizou o Congresso Nacional, o STF e o Palácio do Planalto, causando danos avaliados em mais de R$ 14 milhões.

A resposta inicial trouxe, a meu ver, uma narrativa equivocada e desproporcional para punir indistintamente todos os manifestantes, por crime de golpe de Estado e abolição violenta ao Estado Democrático de Direito, sem individualizar suas condutas. A falta de razoabilidade trouxe a percepção de vingança judicial, avalizada politicamente pelo governo do PT, com prisões prolongadas e desnecessárias, ausência de devido processo legal e violação aos direitos humanos, praticadas pelo STF, sob a batuta do ministro Alexandre de Moraes.

Um dos marcos dessa percepção pública foi a pena de 14 anos para uma mãe que apenas pintou na estátua da justiça a frase “perdeu, mané” (de autoria do presidente do STF Luís Roberto Barroso), sem participar de nenhuma invasão ou vandalismo. Ficou presa preventivamente por dois anos antes de sua condenação a 14 anos, em tratamento jurídico desigual ao que foi dado a esposa do ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral, lhe sendo negado ainda o direito a prisão domiciliar por conta de seus dois filhos menores, como sempre garantiu o STF no caso de mães com crianças pequenas. Outros cidadãos foram condenados a 17 anos de prisão, após mais de um ano em prisão cautelar, a grande maioria pessoas sem processos e sem histórico de violência, muitos dos quais pais, mães e avós, com trabalho e residência fixa.

Todos esses fatos demonstram objetivamente que a própria jurisprudência do STF foi claramente ignorada e aplicada de forma desigual para o evento do 8 de janeiro. Enquanto isso, processos contra corruptos e homicidas no STF recebem outro tratamento, como a anulação de condenações da Lava Jato e até prisão domiciliar ao deputado acusado de matar a ex-vereadora Marielle Franco deferida pelo próprio Moraes (por razões de saúde), quando negou o mesmo direito a um preso do dia 8 de janeiro que morreu de enfarto no presídio em Brasília (mesmo com parecer da PGR favorável à soltura).

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Nesse contexto, a proposta de anistia do 8 de janeiro busca humanizar e pacificar o país. Assim como ocorreu no ES, a ideia é separar os responsáveis diretos pelos atos de violência – os vândalos, no caso de Brasília – daqueles que apenas participaram sem causar danos graves ou dano nenhum. Dos milhares presentes, poucos estiveram diretamente envolvidos na depredação ou em atos de violência, assim como a grande maioria dos policiais grevistas no ES apenas reivindicavam melhores condições de trabalho, sem incitar o caos que se instalou.Em ambos os casos, a anistia surge como um instrumento de reconciliação.

No ES, punir todos os grevistas poderia ter alimentado o ressentimento e dificultado a reconstrução da segurança pública, já fragilizada. A decisão do governador, apesar de criticada por alguns como leniência, trouxe estabilidade ao estado. Para o 8 de janeiro, a lógica é idêntica: criminalizar indistintamente todos os manifestantes seria uma injustiça e poderia prolongar uma crise política que o país precisa superar.

Os danos da greve dos PMs no ES foram muito mais letais, enquanto os protestos em Brasília, embora graves, não envolveram mortes ou armas, o que reforça a desproporcionalidade das penas, vistas como cruéis e desumanas. Se uma pessoa comete um homicídio em uma manifestação contra o aumento da gasolina, por exemplo, é injusto punir todos os participantes pelo assassinato. A anistia humanitária, nesse sentido, propõe focar a punição nos vândalos, oferecendo uma saída para os demais e evitando que o Judiciário (STF) se afogue em processos intermináveis, controversos e contraditórios à sua própria jurisprudência em tema de direitos humanos e devido processo legal.

Críticos alertam que perdoar pode ser visto como fraqueza e incentivar novos atos disruptivos. No Espírito Santo, houve quem questionasse se a anistia não enfraqueceria a autoridade do estado, mas o tempo mostrou que a moderação e a humildade política ajudaram a restaurar a paz. Em Brasília, a anistia também enfrenta resistências, mas seu objetivo é claro: permitir que o país siga em frente, desde que os verdadeiros responsáveis pelos danos sejam punidos.

Tanto a greve dos PMs, com suas centenas de mortes e colapso social, quanto os eventos de 8 de janeiro, exigem um equilíbrio delicado. A lição que conecta os dois casos é que, em momentos de ruptura, o diálogo, a humildade e o pragmatismo sem fígado podem ser mais eficazes do que a punição generalizada para, assim, construir um futuro menos dividido e um país mais pacificado.

Gabriel Quintão Coimbra, advogado, responsável pela defesa técnica de alvos do ministro Alexandre de Moraes no dia 15/12/22 no ES.

Conteúdo editado por: Jocelaine Santos

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