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Impeachment

Lula seguirá o caminho de Dilma? O que há de similar e diferente nos dois governos

Lula Dilma
Lula e Dilma, em foto de 2023: ambos apostaram em expansão dos gastos públicos para elevar o PIB. (Foto: )

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Desde que as perspectivas de ajuste fiscal saíram do radar e se transformaram em crise de confiança no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), tem sido inevitável a comparação com as gestões da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) (2011-2016). Após lançar as bases para uma das maiores recessões da história, Dilma perdeu apoio de aliados e setores produtivos e teve o mandato interrompido por meio de impeachment.

A discussão sobre as similaridades e diferenças entre os dois momentos ganhou força depois que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou um tímido pacote de corte de gastos, que desancorou as expectativas de inflação e impulsionou as cotações do dólar, que nas semanas seguintes atingiram máximas nominais históricas.

Na época, o banco alemão Deutsche Bank divulgou um relatório que intitulava a parte sobre o Brasil de “Dilma 2, Reloaded” ou “Dilma 2, o Retorno”, segundo revelou a CNN Brasil. Comentários e análises de especialistas corroboraram a tese. Nas últimas semanas, o aumento da adesão ao impeachment de Lula deu novo fôlego ao debate.

“Não são poucas, apesar das diferenças, as semelhanças de Lula 3 com Dilma 1,” aponta em artigo o economista Samuel Pessôa, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV Ibre). “Desequilíbrios têm sido criados e a dúvida é se será possível chegarmos bem em 2026 ou não."

Tais desequilíbrios, segundo Pessôa, têm delineado uma trajetória insustentável da economia, que é o que mais aproxima o primeiro governo de Dilma do terceiro mandato de Lula.

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Expansão de gastos públicos é ponto comum entre Lula e Dilma

Para Murilo Viana, especialista em finanças públicas, no aspecto econômico os dois contextos são marcados pelo rombo nas contas públicas, inflação acima da meta, juros altos e falta de credibilidade no mercado financeiro.

“Um ponto relevante de comparação entre os dois governos é que existe em ambos um período de desaceleração econômica e o governo se manteve em ‘marcha forçada’,” diz. “Ou seja, em ambos houve expansão dos gastos públicos como uma forma de tentar segurar a atividade econômica.”

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O resultado é conhecido. Os gastos governamentais impulsionam a demanda interna que, por sua vez, turbina a inflação. Isso obriga o Banco Central a aumentar os juros, o que eleva o patamar da dívida pública e deteriora as expectativas dos agentes sobre a capacidade do governo de administrar o rombo fiscal e colocar a economia nos trilhos.

Neste sentido, há uma diferença crucial. À época de Dilma, o BC ainda não tinha autonomia operacional, aprovada apenas em 2021 no governo Jair Bolsonaro. Assim, era maior a pressão política sobre o então presidente da autoridade monetária, Alexandre Tombini.

Em 2014, o BC começou um aumento gradual da taxa para conter a inflação, que chegou a 14,25% em novembro daquele ano.

Sob Lula, pela primeira vez desde 2015, a taxa básica de juros no Brasil atingirá o mesmo patamar este ano. O Comitê de Política Monetária elevou a Selic (taxa básica de juros) para 13,25% em janeiro e já antecipou uma nova alta de 1 ponto percentual (pp) para a próxima reunião.

Para Pessôa, a autonomia do Banco Central permanece como incógnita no governo Lula 3. “A dúvida é em que medida o Banco Central liderado por Gabriel Galípolo será independente,” diz o economista em artigo no Blog do Ibre. “Aqui tenho dificuldade em avançar.”

Inflação: desafio nos dois momentos

A inflação, para Viana, se apresenta igualmente desafiadora nos dois cenários. Sob Dilma, o indicador, medido pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), terminou 2014 em 6,41%. Mas o regime de metas de inflação era outro. Naquele momento, o centro da meta era de 4,5%, com intervalo de tolerância era de 2%. Por isso, o aumento ficou dentro da margem.

Já em 2024, com Lula, a inflação ultrapassou o teto ao atingir 4,83%. Atualmente, a meta definida pelo Conselho Monetário Nacional (CNM) é de 3%, com banda de tolerância de 1,5%. “Hoje a gente tem um regime mais restrito,” diz Viana. “Mas a fotografia é de um patamar de inflação menor que daquela época.”

Viana destaca que Dilma “administrava um momento complexo, depois da crise de 2008". “Em 2010, o PIB [Produto Interno Bruto] já crescia muito forte, e a inflação já estava alta", lembra. "[Dilma] tinha herdado do governo Lula um forte crescimento da economia, por conta do comércio com a China.”

Por conta disso, diz Viana, houve uma sistemática tentativa de segurar a inflação na marra, com repressão dos preços de combustíveis e controle de preços administrados.

"Isso acabou deteriorando também as condições financeiras das estatais e, sobretudo, a da Petrobras, que na época tinha um represamento de preço internacional no preço doméstico, que gerava perdas significativas na operação. Aí, quando o [Joaquim] Levy [ministro da Fazenda que substituiu Mantega em janeiro de 2015] soltou os preços, fez a correção dos preços administrados e também a Petrobras fez os reajustes, a inflação passou de 10%. Foi um ambiente extremamente desafiador.”

Raiz do problema são as contas públicas

Entre tantas peculiaridades de cada momento, os especialistas concordam que, para Lula 3, o principal problema continua sendo as contas públicas.

Pessôa atribui a situação à escolha do mandatário de inverter o ciclo normal da política monetária. Normalmente os governos economizam nos primeiros dois anos, para depois acelerar os gastos, no embalo do calendário eleitoral. “Já Lula iniciou o mandato com o pé no acelerador do gasto público”, diz Pessôa.

Viana concorda. “O governo fez já uma expansão de gasto considerável com a PEC da Transição, o que, junto com outros fatores, puxou para cima a economia”, ressalta. “Acabou gerando um aquecimento significativo e se esperava chegar agora, nesse período, com uma popularidade bem mais alta, o que não aconteceu. Mesmo com a atividade econômica forte, por exemplo, no ano passado, o governo está enfrentando uma deterioração da popularidade.”

O especialista receia que, para ganhar maior aceitação, seja adotada uma política ainda mais expansionista. Lula já vem anunciando medidas para reverter a desaprovação. “Existe um risco de que se repita aquele processo, o ciclo político, o ciclo econômico decorrente do governo da Dilma 1,” diz Viana. “Uma tentativa de manter um nível de atividade econômica e de apoio popular para as eleições de 2026.”

Cenário de Lula 3 é mais complexo

Embora Dilma tenha enfrentado um cenário político mais adverso, por conta da Operação Lava Jato, hoje Lula enfrenta, segundo Viana, uma situação mais complexa devido à polarização política, às dificuldades de articulação com o Legislativo e à situação externa, com a eleição de Donald Trump nos EUA.

“A gestão Trump está trazendo muitas incertezas globais que afetam fluxos financeiros, afetando a relação comercial, que afeta taxa de investimento das empresas,” afirma. “Junto com um ambiente interno de polarização e de dificuldade de fazer gestão fiscal, fica tudo meio problemático. Com o PIB está desacelerando por conta dos juros altos, vai ser difícil para Lula manter a popularidade.”

Pessôa prevê para 2025 um ano de atividade em desaceleração e inflação em alta. “Um cenário de estagflação”, diz. “A dúvida é como Lula se comportará quando ficar claro a falta de sincronia entre o ciclo monetário e o ciclo eleitoral.”

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