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Na primeira reunião sob o comando de Gabriel Galípolo, nesta quarta-feira (29), o Comitê de Política Monetária (Copom) deve seguir o roteiro estabelecido e aumentar a taxa de juros em 1 ponto percentual (pp). No último encontro, em dezembro, o colegiado deixou "contratados" dois aumentos de 1 pp na taxa Selic para as primeiras reuniões de 2025, agora em janeiro e em março.
Mais do que no tamanho do reajuste desse encontro, que já é dado como certo, as atenções do mercado financeiro estão voltadas para os recados que o Banco Central dará sobre a trajetória dos juros nos próximos meses. Há dúvida se o colegiado vai manter o guidance – isto é, a indicação dos passos seguintes – e também o tom da comunicação do Copom nesta nova gestão.
Galípolo parece contar com o voto de confiança do mercado, mas permanece a incerteza sobre a atuação da nova composição do Copom, com sete dos nove integrantes indicados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
“A gente precisa entender se esse Copom vai manter a comunicação dura que foi adotada nos últimos meses do Banco Central presidido pelo Campos Neto ou se vai fazer uma comunicação um pouco mais branda”, avalia Helena Veronese, economista-chefe da B.Side Investimentos.
Sílvio Campos Neto, da consultoria Tendências, reforça os holofotes sobre o tom a ser adotado pelo colegiado. “O que a gente espera é que o discurso do Banco Central siga muito contundente no sentido de que a política monetária precisa continuar atuando de forma firme, no sentido de reverter esse quadro que tem se tornado ainda mais preocupante”, afirma.
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Alta da inflação preocupa mercado
As preocupações dos analistas se concentram na pressão inflacionária, que tem se intensificado. Na projeção do Focus, os agentes do mercado financeiro elevaram a expectativa de inflação neste ano para 5,5%. Foi a 15ª semana seguida de aumento dos preços acima do teto da meta, de 4,5%. A alta foi de 0,42 pp em comparação com o estimado na semana passada, demonstrando o aumento da preocupação do mercado financeiro.
Leonardo Costa, economista do ASA, destaca a desancoragem das expectativas nos médio e longo prazos. “A inflação corrente segue bastante pressionada pelos núcleos de inflação”, explica. “O núcleo de serviços teve alta de 1% no IPCA-15 de janeiro e a média móvel de 3 meses bateu 8,7%, incompatíveis com a meta [de inflação] de 3%.”
Os números atestam a deterioração de percepção fiscal e do aquecimento excessivo da atividade econômica, além do efeito do câmbio depreciado, que, apesar de ter reagido nos últimos dias, continua em patamares próximos a R$ 6 reais por dólar. O cenário, para Campos Neto, reforça a necessidade da restrição monetária.
“O ponto é que o Banco Central não pode baixar a guarda no seu discurso, mesmo com a mudança agora da presidência”, diz o economista. “Uma possibilidade neste sentido seria ele já expandir o guidance das altas de 100 pontos para uma reunião à frente. Mas não creio que ele vá fazer isso agora. Vamos precisar aguardar março para reiterar se o BC segue vigilante em relação ao quadro de deterioração fiscal.”
Expectativas do mercado sobre a Selic são variadas
As expectativas sobre a manutenção do guidance pelo BC, no entanto, seguem desencontradas. A mediana das projeções do Focus aponta para uma taxa Selic de 15% até o final do ano. O mesmo patamar é apontado por um levantamento do Valor Econômico com 120 instituições. Mas há números diferentes. O ASA projeta juros de 15,25%, o Itaú fala em 15,75%. Já o Bradesco, segundo relatório de 24 de janeiro, aponta para 14,75%, o mesmo patamar considerado pela Tendências. E a Galapagos aposta em 14,50%.
Para os analistas, a incerteza se deve, internamente, às perspectivas do ajuste fiscal pelo governo, que deve ser acompanhada da desaceleração da atividade econômica, principalmente a partir do segundo semestre. A preocupação, neste cenário, é com a atitude do governo em ano pré-eleitoral.
“Se o governo não se conformar com isso e quiser acelerar a atividade por outros canais, principalmente parafiscais, a gente vai ter um enorme problema pela frente", alerta Campos Neto.
Na avaliação de Tatiana Pinheiro, economista-chefe da Galapagos, não há espaço para expansão fiscal. “O governo sabe que realmente a gente não tem dinheiro, não tem orçamento”, afirma.
“Neste ano, apesar de já iniciado o ciclo eleitoral de 2026, vejo o governo entregando mais medidas de ajuste fiscal ao longo do ano. Não haverá bala de prata, nem medidas estruturais. Mas vão ser medidas que vão tentar acertar as arestas e conter essa expansão fiscal ao longo de 2025.”
O ministro Fernando Haddad, da Fazenda, tem negado novas medidas, mesmo após o pacote do corte de gastos, anunciado em dezembro, ter sido considerado tímido pelo mercado financeiro.
Cenário externo também preocupa
Para a economista da Galapagos, o que mais preocupa e deve impactar a política monetária daqui para o fim do ano é o cenário externo, sob a presidência americana de Donald Trump.
“As expectativas de inflação já vinham desancoradas e ampliando o distanciamento da meta de inflação”, explica. “A necessidade de uma política fiscal, de maior credibilidade também já estava dentro dos comunicados anteriores [do BC]. Então, o que realmente mudou é essa nova administração Trump, com o Fed [Banco Central americano] trazendo mais incerteza para condução de política monetária por lá e por aqui”, afirma Tatiana Pinheiro.
Mesmo assim, ela acredita que a política do republicano não será tão dura como anunciada. “Trump sabe que políticas agressivas, como altas tarifas de importação são inflacionárias”, diz. “Ele ganhou a eleição pelo descontentamento com a inflação e vai querer entregar essa melhora econômica para a população.”
A inflação mais baixa abre caminho para a redução do corte de juros pelo Fed, o que favorece os mercados emergentes, como o Brasil, aliviando o câmbio e, consequentemente, a pressão sobre os preços.
Para Campos Neto, da Tendências, o cenário é menos otimista. “Olhando para o cenário inflacionário nos Estados Unidos, por hora ele não está dando base para o Fed ser agressivo na redução de juros”, afirma.
Segundo ele, os dados da economia americana continuam fortes, com alta atividade e geração de empregos. O presidente Trump, seguindo seu "estilo voluntarista", tem mandado recados para o Fed, pressionando pela queda dos juros. Mas isso, para o consultor, não deveter efeito.
“O Fed é totalmente independente e só vai fazer o que tiver que ser feito do ponto de vista técnico, afirma. "Eles vão ter que ser muito comedidos nesse processo de corte de juros, e essa demora já vem sendo precificada há um bom tempo lá e aqui”.