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Baseado no romance homônimo do premiado escritor e vencedor do Pulitzer Colson Whitehead, que narra a trajetória de um reformatório para infratores juvenis, Reformatório Nickel (Nickel Boys) foi inspirado em fatos reais ocorridos na Escola para Meninos Arthur G. Dozier, na Flórida — o maior reformatório dos Estados Unidos, que funcionou por mais de um século, entre 1900 e 2011. O filme está disponível no serviço de streaming Amazon Prime.
O filme alterna entre os pontos de vista de dois amigos, Elwood (Ethan Herisse) e Turner (Brandon Wilson), que se conhecem na instituição. A narrativa busca colocar o espectador diretamente na pele dos protagonistas, permitindo que enxerguemos, através de seus olhos, os abusos a que são submetidos e a discriminação racial vivenciadas.
Em uma sucessão de eventos trágicos, Elwood é vítima de diversas injustiças, como ser preso por um crime que não cometeu e ser brutalmente castigado ao tentar ajudar um colega. Assim, o enredo evidencia a separação racial dentro do reformatório, destacando a hostilidade entre os internos e a violência sistêmica imposta pelos administradores, marcada por requintes de crueldade — um cenário que não se repete contra os internos brancos.
Assistir pelos olhos do próprio personagem
A forma como o filme busca apresentar sua história, fazendo com que o espectador se sinta o próprio protagonista, é, de longe, sua característica mais marcante. No entanto, o uso do ponto de vista em primeira pessoa acaba por confundir e cansar o espectador.
A alternância entre os personagens compromete a clareza sobre quem está vivendo determinada situação, enquanto a exigência de uma interpretação exageradamente emotiva se torna exaustiva, com cenas lentas e contemplativas. Em um momento específico, a câmera foca demoradamente no braço do protagonista, sugerindo que ele estaria refletindo sobre a própria cor da pele. No fundo, uma trilha sonora dramática permeia toda a narrativa, como se o sentimentalismo fosse exigido em cada cena.
O diretor RaMell Ross utiliza imagens de arquivo e elementos históricos para contextualizar a narrativa, buscando conectar a ficção à realidade documentada e ampliar seu impacto social. Martin Luther King Jr. aparece como o grande ídolo de Elwood. Em diversas cenas, aparecem imagens, trechos de discursos do pastor e até mesmo uma ilusão de ótica, na qual Elwood imagina ver King do outro lado da rua, emocionando-se ao supor que pode cumprimentá-lo.
Repetindo fracassos com distorções teológicas
O filme repete o equívoco cometido pelo documentário Sugarcane, que, ao tentar culpar a Igreja Católica por todos os crimes cometidos por um grupo de religiosos, perdeu credibilidade e deixou de emocionar ao contar a história de indígenas vítimas de abusos. Em vez de narrar os eventos de forma convincente, Reformatório Nickel também se alonga excessivamente, utilizando imagens e músicas melodramáticas que, ao invés de sensibilizar, afastam o espectador.
Outro ponto comum com o documentário é o discurso religioso pejorativo presente na trama. Em diversos momentos, personagens evocam passagens bíblicas de forma distorcida, usando-as como justificativa para a violência sofrida pelos internos — um recurso que, longe de inovar, apenas incomoda. Talvez seja por isso que, indicado às categorias de Melhor Filme e Melhor Roteiro Adaptado no Oscar 2025, não tenha ganhado nenhuma estatueta.

Apesar de seus defeitos, Reformatório Nickel desafia o público a encarar uma realidade incômoda e, por vezes, ignorada. Ao investir em uma experiência sensorial que rompe com as convenções tradicionais do cinema, o diretor acerta em ir além de simplesmente contar uma história, ele coloca o espectador dentro dela. Sua abordagem poderia ser menos melodramática e proselitista, mas sua relevância histórica e social é inegável.
- Reformatório Nickel
- 2024
- 140 minutos
- Indicado para maiores de 16 anos
- Disponível no Prime Video