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Se vivo fosse, Ibrahim Sued teria 100 anos. Mas, há 30, ele não está mais entre nós. Seu legado de colunista social é fácil de ser atestado – tanto pela estátua em sua homenagem em frente ao hotel Copacabana Palace como por expressões que ele ajudou a popularizar, casos de “de leve” e do provérbio árabe “os cães ladram e a caravana passa”. “Ademã, que eu vou em frente”, outra frase marca registrada, ajuda a batizar um documentário de 2022 presente no catálogo do Globoplay que merece ser revisitado não só pelo centenário do jornalista, mas para manter acesa a imagem de um Brasil que vem se apagando.
Ademã – A Vida e as Notas de Ibrahim Sued foi concebido por sua filha, Isabel Sued Perrin, que divide a direção do filme com Paulo Henrique Fontenelle. Mesmo tendo nascido no seio familiar, a obra não tenta edulcorar a trajetória do homem da comunicação nem esconde seus deslizes, como os que ele cometia no trato com a língua portuguesa. Se há algum exagero, eles são de responsabilidade dos amigos que contribuem com depoimentos, todos exaltando o alto poder de sedução de Ibrahim, a relevância de suas colunas (seja em jornal como na TV), sua dedicação às apurações e generosidade à toda prova.
Há declarações reveladoras de Ricardo Boechat (1952-2019), que por muitos anos foi seu braço-direito, de Boni, que confirma que as aparições de Ibrahim alavancavam a audiência do Fantástico, e do empresário da noite Ricardo Amaral, que bem define o jornalista como o maior influenciador do Brasil, isso muito antes de existir vida digital. Isso porque Ibrahim vivia o Rio de Janeiro enquanto cavava informações para sua coluna.
Ainda que nutrisse um certo desprezo pelo jet set, ele se aproveitava de seu charme, de seu 1m90 de altura e de seus olhos verdes para criar laços com atrizes famosas que visitavam a cidade, presidentes daqui e de outros países e de celebridades como o estilista Pierre Cardin (1922-2020), que participa do documentário. Em determinado momento, é dito até que a atriz e musa americana Ava Gardner “passou Ibrahim na cara” após nota-lo numa coletiva de imprensa.
Nojo da esquerda
Além dos depoimentos frescos, Ademã – A Vida e as Notas de Ibrahim Sued se beneficia de imagens de arquivo que recuperam os anos de glória do colunista, entre as décadas de 1950 e 1980, desde seus primeiros passos como fotógrafo até o ocaso, quando seus textos deixaram de ser diários e ficaram restritos aos domingos.
Numa entrevista para a TV da qual participa Roberto d’Ávila, Ibrahim esclarece que o bordão “sorry, periferia” foi feito para desdenhar de colegas de profissão e da “esquerda festiva”, não para fazer troça com “zé povinho”. É um dos momentos em o jornalista demonstra ter asco de comunistas e mesmo uma certa gratidão pelo regime militar. Chega a dizer que votaria em João Figueiredo se ele se candidatasse para eleições diretas após o reestabelecimento da democracia no país.
Há registros também da vez que ele foi homenageado com um samba-enredo na Sapucaí. A Acadêmicos de Santa Cruz veio para o Carnaval de 1985 com Ibrahim, De Leve Eu Chego Lá, numa das raríssimas vezes em que um jornalista foi tema de escola de samba, sinal de seu prestígio e popularidade. Também impressionam as cenas do lançamento de um de seus livros, quando cerca de mil pessoas se alinharam para pegar seu autógrafo no restaurante Pérgula, do Copacabana Palace.

Ainda que hoje tenhamos jornalistas de fofoca bem-sucedidos e afamados, como Leo Dias, e influenciadores aos borbotões vivendo em grande estilo ou tirando onda nas redes sociais, Ademã não deixa dúvida de que não há ninguém com a mesma magnitude de Ibrahim atuando no país hoje. O homem atingiu um patamar na alta sociedade e na cultura popular que é inimaginável vermos reproduzido nos dias atuais. Até porque o Brasil mudou, o glamour agora é de outra ordem, e até quem traz as notícias está com uma reputação diferente – para não dizer péssima.
- Ademã – A Vida e as Notas de Ibrahim Sued
- 2022
- 104 minutos
- Indicado para maiores de 12 anos
- Disponível no Globoplay e para locação e compra no YouTube e AppleTV