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Debate sobre o ISS

Base de Paes quer regulamentar Airbnb e Booking no Rio

Serviços como Airbnb estão na mira da base de Paes no Rio de Janeiro.
Arrecadação para o município integra proposta de parlamentar na cidade do Rio de Janeiro. Quem é contra observa que a proposta atenta contra livre iniciativa e liberdade comercial. (Foto: Antonio Lacerda/EFE)

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Integrantes da base do prefeito Eduardo Paes (PSD), no Rio de Janeiro, pretendem regulamentar serviços de hospedagem intermediados por plataformas digitais, como Airbnb e Booking. De autoria do vereador Salvino Oliveira (PSD), o projeto de lei 107/2025 delimita alguns pontos para os serviços.

O texto da proposta parlamentar apresentada obriga o proprietário a cadastrar seu imóvel no Ministério do Turismo, via Cadastur, e delimita o aluguel para períodos de no mínimo três dias e máximo de 90 dias. Oliveira também propõe que os hóspedes sejam cadastrados, por intermédio dos locatários, em uma base de dados digital da prefeitura. A ideia é que os dados permaneçam no sistema por no mínimo 90 dias a contar do fim da hospedagem.

O parlamentar alega que as obrigações referentes ao cadastro são para segurança do proprietário do imóvel e das pessoas que residem em prédios que possuem apartamentos em locação. “A gente quer o básico, as pessoas estão cansadas de se sentirem inseguras dentro de sua própria casa, sem saber quem entra e quem sai”, diz o parlamentar em vídeo de divulgação da proposta.

Para ele, a proposta auxiliará a prefeitura em grandes eventos, para apontar “quem está chegando na cidade” e receber os turistas com qualidade. “Garantir a segurança e acabar com a bagunça é o ponto prioritário desse projeto de lei”, completa.

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Arrecadação está no foco da proposição sobre Airbnb e Booking na cidade do Rio

O vereador do Rio cobra que as plataformas digitais como Airbnb e Booking sejam obrigadas a informar à prefeitura quantos quartos e propriedades estão ativos. Ele afirma que o município não possui esses números e que, a cidade vive em uma "informalidade".

Uma das preocupações dos vereadores pró-regulamentação de Airbnb e Booking no Rio é sobre o Imposto Sobre Serviços (ISS), um tributo municipal que incide na prestação de serviços realizados por empresas e profissionais autônomos. O argumento é que, como as sedes das plataformas não estão no município carioca - o Airbnb, por exemplo, tem sede em São Paulo -, o imposto arrecadado em locações e serviços não entra no caixa da prefeitura.

“Não é justo que essas plataformas paguem imposto para a cidade de São Paulo. Aqui na nossa cidade é onde o serviço é prestado, a nossa infraestrutura é utilizada. Então, nada mais justo que a nossa cidade receba esses impostos”, afirma o vereador.

Um estudo feito pelo gabinete do vereador Flávio Valle (PSD) expõe que o valor que deixaria de entrar anualmente nos cofres públicos do município do Rio de Janeiro referente ao ISS é de mais de R$ 105 milhões, apenas na plataforma Airbnb. O argumento é similar ao interesse que permeou a polêmica recente entre a prefeitura de São Paulo e o serviço de transporte por aplicativo feito com motos.

Para ampliar o debate sobre a regulamentação do serviço, uma audiência pública foi marcada para a manhã desta terça-feira (25) na Câmara dos Vereadores. “É importante que todas as vozes sejam ouvidas, especialmente as dos pequenos anfitriões, que podem ser os mais afetados por mudanças regulatórias. Considero fundamental a regulamentação do setor, o projeto tem o potencial de trazer benefícios significativos para as hospedagens de curta temporada, desde que seja bem elaborado e equilibrado”, afirma Valle.

Ele tem divergências sobre a proposta inicial apresentada pelo colega de partido e reconhece que o projeto “precisa de ajustes importantes para garantir constitucionalidade, não gerar proibições e nem burocracia excessiva, trazer a dinâmica da tributação de forma clara e estar em consonância com o que determina a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD)".

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Proposta atenta contra livre iniciativa e liberdade comercial, diz jurista

Enquanto o debate é feito, outra ala de parlamentares promete recorrer à Justiça caso a medida avance na Casa, argumentando a inconstitucionalidade da matéria. O presidente da Comissão de Assuntos Urbanos no Legislativo municipal, Pedro Duarte (Novo), aponta que o projeto fere o direito de propriedade, a livre iniciativa e a proteção de dados pessoais, uma vez que o texto obriga hóspedes a passarem dados para a prefeitura, por meio dos locatários.

O advogado e professor de direito constitucional André Marsiglia concorda com o parlamentar do Novo, acrescentando que o compartilhamento de dados de hóspedes com a prefeitura podem ferir também os direitos à privacidade e intimidade, previstos na Constituição Federal. Marsiglia afirma que não vê razão jurídica para que as plataformas sejam obrigadas a notificar a prefeitura sobre a quantidade de quartos ativos.

“Se hotéis da cidade não são obrigados à mesma burocracia, parece claro que as informações não são necessárias para o gerenciamento do setor pela prefeitura. Exigir uma obrigação apenas de quem aluga por plataforma desequilibra a concorrência, algo que viola a livre iniciativa e a liberdade comercial, também previstas na Constituição”, explica o jurista.

Sobre o ISS, Marsiglia afirma que, por regra, o tributo deve ser pago no local da prestação de serviços. "A obrigação tributária anômala também torna a lei discutível”. Ele pontua que o projeto inviabiliza a atividade de plataformas de aluguel, criando dificuldades burocráticas que o setor hoteleiro não possui.

"O desequilíbrio é suficiente para que o PL possa ser considerado inconstitucional, pois a legislação não pode ferir a isonomia entre cidadãos, diferenciando-os pelo excesso ou falta de exigências a uma pessoa, empresa ou setor específico”, acrescenta.

A reportagem da Gazeta do Povo tentou contato com o vereador Oliveira, propositor do projeto, para entender como ele entende os argumentos contrários e que versam sobre a constitucionalidade, mas não conseguiu contato até a publicação deste texto. O espaço segue aberto para a manifestação do parlamentar.

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Como funcionam as regulamentações do setor no Brasil e no exterior

Cidades com grande demanda por serviços de plataformas como Airbnb e Booking, como Nova York, Barcelona e Paris, vêm dicutindo o tema por motivos diversos, de maneira a buscar a criação de mecanismos para atenuar a crise de moradia apontada pelos órgãos públicos, em razão do alto crescimento na busca por estadias de curta duração.

Proprietários de imóveis enxergam na locação de curta temporada para turistas uma possibilidade mais rentável, tendo em perspectiva que os visitantes tendem a estar dispostos a pagar uma diária mais cara do que o aluguel por longas temporadas para residentes locais. O movimento provoca uma redução de ofertas de imóveis para a população local - ocasionando também uma alta nos preços. 

Em Nova York foi aprovada, em janeiro de 2022, a Local Law 18, que cria regras para aluguéis de propriedades residenciais quando o negócio se refere a um período inferior a 30 dias. Como funciona:

  • A lei proíbe a locação de propriedades inteiras, isto é, todo um apartamento ou casa, em oposição a somente um quarto, para período abaixo de 30 dias, só sendo permitida em caso de presença do dono da propriedade durante a estadia
  • Limita o número máximo de hóspedes que podem alugar um apartamento, sendo permitido apenas dois por vez
  • O locatário deve se registrar junto à prefeitura
  • Proíbe a locação de residências comerciais
  • Em caso de descumprimento, multas altas são cobradas.

Em Barcelona, a regulamentação é mais extrema. Até o ano de 2028 será proibido o aluguel de apartamentos para turistas. O prefeito Jaume Collboni disse que acabará com a licença de todos os 10.101 apartamentos que têm aprovação para aluguel de curta temporada. Segundo ele, o “acesso à moradia se tornou um fator de desigualdade, principalmente para os jovens”.

Aluguel de apartamentos para turistas será proibido em Barcelona até o ano de 2028.

Há um distanciamento das realidades do Rio de Janeiro para algumas das metrópoles mais famosas do mundo. De acordo com dados publicados pela Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo (Embratur), o Brasil registrou um fluxo de quase 6,7 milhões de turistas internacionais ano passado, considerado pela instituição o “melhor da história para o turismo internacional”. Neste mesmo período, a cidade de Nova York registrou aproximadamente 13 milhões de visitantes internacionais. 

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Mesmo o Brasil tendo cidades turísticas bastante visitadas, o processo para uma crise de moradia caracterizada pela alta nos aluguéis de curta temporada pode ainda estar distante. Essa visão é compartilhada pelo vereador Flávio Valle: “O Airbnb leva, de fato, a um aumento dos aluguéis – mas, para o caso particular do Rio de Janeiro, tais evidências são ainda bastante incipientes e não há indícios de que esses aumentos sejam significativos a ponto de levar a problemas como indisponibilidade de moradias para a população carioca”.

Por outro lado, ele alega existir uma “associação entre maior atividade do Airbnb e maior número de ocorrências criminosas, principalmente relacionadas a crimes contra propriedade" e completa dizendo que "o Airbnb, ao incentivar a concentração de turistas em determinadas áreas, acaba gerando mais oportunidades para os criminosos agirem”. 

Ele defende um combate ao que considera rede de hotéis informais. “Mais da metade dos anúncios são oriundos de proprietários com duas ou mais hospedagens anunciadas e alguns anfitriões têm mais de 100 casas ou apartamentos listados na plataforma. Na prática, esses anfitriões estão administrando hotéis informais, de modo que alguma regulamentação se faz necessária”, argumenta o parlamentar.

Municípios brasileiros já tentaram impor regras para o funcionamento das plataformas. É o caso de Caldas Novas (GO), que passou a exigir o pagamento de imposto sobre serviço de quem alugar imóvel ou parte dele por curta temporada. Em Ubatuba (SP), a lei 4.050/2017 também implica em questões tributárias e é aplicável às hospedagens por período igual ou inferior a 45 dias. Nela, indica-se que “os imóveis disponibilizados para aluguel por temporada devem fixar em sua entrada o certificado emitido pelo Cadastur e a referida licença de funcionamento emitida pela municipalidade”.

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